Título: LULA VETARÁ FGTS PARA DOMÉSTICO
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 11/07/2006, Economia, p. 19

Reunião termina sem acordo e, segundo ministros, benefício fica para depois

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva vai mesmo arcar com o custo político e vetar os direitos trabalhistas estendidos aos empregados domésticos pelo Congresso que representam ônus para a classe média e a Previdência Social. Como terminou ontem sem acordo a reunião entre representantes do governo e da categoria, que não abre mão dos benefícios, o ministro da Previdência, Nelson Machado, afirmou que Lula decidirá com autonomia e vetará todos os artigos incluídos na medida provisória (MP) 284 que podem prejudicar a formalização no segmento. Entre eles, o recolhimento obrigatório do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), bem como da multa rescisória de 40% nas demissões sem justa causa, a estabilidade no emprego para a empregada gestante e o salário-família.

¿ Não tem como buscar acordo com categorias tão diferentes e tão díspares (sindicato dos empregadores e dos trabalhadores domésticos e governo). O governo vai decidir com autonomia em relação ao movimento ¿ disse Machado.

Em contrapartida, o governo acenou que pretende igualar essa classe de trabalhadores às demais e discutir a ampliação dos direitos numa comissão tripartite ¿ formada por representantes do governo, dos trabalhadores domésticos e dos empregadores ¿ a ser criada.

Dedução do INSS no IR será mantida

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, confirmou, em Porto Alegre, que o governo deverá vetar parcialmente as mudanças feitas na MP, de forma a deixar para um segundo momento a instituição do FGTS. Segundo Dilma, o governo quer que os domésticos tenham os mesmos direitos dos outros trabalhadores, mas ainda não será possível manter a instituição do FGTS aprovada no Congresso:

¿ Percebemos claramente que, para atingir esse ponto, pode ser necessário um processo e não uma medida imediata.

¿O objetivo era incentivar a formalização, para melhorar as condições de trabalho. Como ao transitar no Congresso a MP sofreu emendas que podem gerar o efeito contrário, está se discutindo com a categoria um veto, com o compromisso de mandar outro projeto no futuro¿, explicou Dilma, em entrevista ao jornal ¿Zero Hora¿.

Depois de se reunir com o ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, o líder interino do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), também confirmou que o presidente Lula deverá vetar os dispositivos que tratam da obrigatoriedade de recolhimento de FGTS. O presidente tem até a quinta-feira da próxima semana para vetar o artigo.

¿ Não resta outro caminho ao governo senão vetar os quesitos que tratam de pseudovantagens. Carteira assinada é melhor que FGTS ¿ disse o líder interino.

Com isso, o principal benefício a ser mantido na MP será apenas a dedução da contribuição previdenciária patronal na declaração do Imposto de Renda no próximo ano. O incentivo inclui o desconto da contribuição patronal sobre o décimo terceiro salário e o adicional de um terço de férias ¿ despesas já previstas para quem tem um empregado com carteira assinada.

Outros direitos incorporados ao texto pelos parlamentares, como ampliação de 20 para 30 dias de férias e descanso remunerado obrigatório aos domingos, além da proibição de descontos de gastos com alimentação, vestuário e higiene e moradia, foram vistos pelo governo como avanços e deverão ser sancionados pelo presidente.

O ministro Nelson Machado afirmou que o governo vai separar as duas pautas: a MP enviada pelo Executivo ao Congresso, que tem por objetivo incentivar a formalização dos trabalhadores domésticos mediante o incentivo fiscal, e o texto aprovado pelos parlamentares.

¿ Vamos separar com clareza as duas pautas. A formalização é a nossa preocupação, o nosso mote e o objetivo da MP. O que voltou do Congresso foi outra pauta. Junto à formalização, voltou uma pauta de direitos, como o FGTS, o salário-família e a estabilidade ¿ destacou Machado.

A estabilidade de cinco meses no emprego depois do parto para a gestante doméstica, segundo fontes do governo, fere a Constituição Federal (artigo 7º, capítulo II, que trata dos Direitos Sociais). O salário-família também é outro item considerado inconstitucional, pois traria impacto aos cofres públicos sem a contrapartida da fonte de receita.

Nilcéia: Constituição não previu direitos

De acordo com o artigo 195 (parágrafo 5º), nenhum benefício ou serviço da seguridade social pode ser criado sem a correspondente fonte de custo integral. O pagamento do salário-família, segundo cálculos do governo, custaria à Previdência Social R$266,6 milhões anuais, se considerado apenas o universo de 1,8 milhão de empregados domésticos formalizados.

¿ Histórica e formalmente, a Constituição Federal não abarcou essa categoria de trabalhadores no conjunto de direitos de outros trabalhadores ¿ explicou a secretária Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéia Freire, que também participou do encontro.

Machado destacou que o governo trabalha com o pressuposto de que o incentivo (dedução) vá ajudar a aumentar a formalização dos empregados domésticos, que somam hoje seis milhões de pessoas.

¿ Quando criamos o incentivo, imaginamos que as pessoas (os patrões) seriam racionais, iriam aderir e melhorar a formalização ¿ disse o ministro, acrescentando que não há pesquisas científicas mostrando que o FGTS vai aumentar as demissões, mas há várias opiniões nesse sentido.

A presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Ione Santana de Oliveira, disse que a categoria manterá a sua posição em defesa do FGTS e dos demais direitos.

¿ Não abriremos mão do nosso direito. A gente acredita que não haveria demissão. Na realidade, a nossa categoria não fica desempregada, só aumenta ¿ disse ela.

COLABORARAM Luiza Damé e Chico Oliveira