Título: SEM-TERRA: CRIMES CONTRA SEGURANÇA NACIONAL
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Fonte: O Globo, 12/07/2006, O País, p. 11

MP denunciou 116 militantes que invadiram a Câmara, a maioria por colocar em risco o Poder Legislativo

BRASÍLIA. O Ministério Público Federal denunciou à Justiça 116 dos cerca de 500 sem-terra que, no início de junho, invadiram e depredaram as dependências da Câmara. A maioria deles (81) foi enquadrada, entre outros artigos do Código Penal, na Lei de Crimes Contra a Segurança Nacional, a antiga Lei de Segurança Nacional criada em 1983 pelo regime militar. Na denúncia, os procuradores sustentam que os militantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) puseram em risco o funcionamento do Poder Legislativo ao ocuparem de forma violenta o Salão Verde da Câmara, impedindo a realização da sessão plenária.

A lista dos militantes enquadrados na Lei de Crimes Contra a Segurança Nacional é encabeçada por Bruno Albuquerque Maranhão, acusado pelo MP de ser o mentor intelectual da invasão, que terminou com 41 pessoas feridas. Ele e os outros 80 integrantes do MLST foram separados dos demais denunciados por terem participado tanto do quebra-quebra quanto da reunião que, na véspera, serviu para planejar cada detalhe da ação. O encontro foi filmado por um sem-terra e a fita, apreendida pela polícia.

- Eles deixaram fora de ação um dos poderes da República. Cometeram atos que ameaçam o Estado de Direito e tentaram paralisar um dos poderes da União. Eles ocuparam uma das portas do plenário e o Salão Verde, que tem ligação direta com o Senado. Então colocaram em risco também o Senado Federal - afirmou o procurador da República José Robalinho Cavalcanti, que integra a equipe de promotores que elaborou a denúncia.

Processo poderá ser rápido

Se a Justiça Federal aceitar a denúncia, o processo contra este grupo poderá ser concluído rapidamente. O enquadramento na lei que trata da soberania nacional permite aos réus recorrerem apenas uma vez, diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), eliminando outras instâncias de julgamento. O grupo de 81 militantes também foi denunciado pelos crimes de formação de quadrilha, lesão corporal (leve e grave), dano ao patrimônio público e resistência qualificada.

Na denúncia, os procuradores dizem ainda que a conduta dos integrantes do MLST "foi motivada por fins políticos" para "fazer apologia às suas convicções a respeito da reforma agrária". Eles dizem que isto fica claro "a partir de referências depreciativas ao PFL e ao PSDB e com a exaltação da figura do atual presidente da República, acompanhada da menção a que a invasão serviria para demonstrar 'que tipo de reforma agrária nós queremos'".

O outro grupo é formado por 35 integrantes do MLST que participaram apenas da invasão. Todos foram identificados pelas imagens do circuito interno de TV da Câmara e de emissoras de TV. Deles, quatro haviam estado dias antes no Congresso, segundo dados do sistema de registro de visitas e, de acordo com a polícia, para ajudar no planejamento da invasão. Eles poderão responder por lesão corporal, dano ao patrimônio público e resistência qualificada.

Os procuradores da República dedicaram um capítulo exclusivo a Bruno Maranhão, integrante do PT afastado após o episódio. "No desempenho da função de líder, coube ao denunciado Bruno Maranhão as tarefas de planejamento, obtenção de fundos, arregimentação de pessoal, incentivo e participação na execução dos atos criminosos", diz um trecho.

A denúncia destaca o depoimento de Maurício Veronese, que confessou ter filmado a reunião de preparação da invasão. "Ficou estabelecido que a invasão iria ocorrer de qualquer forma, pois se alguém tentasse impedir, mesmo assim iriam entrar, tendo alguém dito que se a polícia batesse deveria ele bater também", disse ele em depoimento. Para o MP, a afirmação é a prova de que os líderes do grupo premeditaram a ação violenta.

VANDALISMO ORQUESTRADO

Então secretário nacional dos Movimentos Populares do PT e membro da executiva nacional do partido, Bruno Maranhão comandou o grupo de mais de 500 militantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) que invadiu e depredou instalações da Câmara dos Deputados há pouco mais de um mês.

Segundo o balanço oficial da Câmara, 26 pessoas foram atendidas no Departamento Médico da Casa. O caso mais grave foi o do coordenador de logística do Departamento de Polícia da Câmara, Normando Fernandes, internado com traumatismo craniano.

Os manifestantes entraram em confronto com os seguranças da Casa e forçaram passagem, tomando o Salão Verde. Portas de vidro blindex e terminais de auto-atendimento para visitantes foram destruídos a golpes de pau e pedra. Também viraram um carro, que seria o prêmio de um concurso promovido pela Associação dos Servidores da Câmara; depredaram o busto do ex-governador Mario Covas; peças da exposição "Ecocâmara"; câmeras de segurança e um monitor de vídeo. Funcionários da Câmara calcularam os prejuízos em mais de R$100 mil.

No momento da prisão, Maranhão estava com papéis que registram a contabilidade da manifestação, orçada, de acordo com o material, em R$82.790. A ação dos militantes foi premeditada e começou a ser preparada pelo menos 15 dias antes, como indica uma fita de vídeo gravada por um cinegrafista ligado ao MLST e apreendida pelo Departamento de Polícia da Câmara. Na fita, líderes do movimento orientam 90 militantes sobre como deveriam agir para tomar o Salão Verde da Câmara.

A Polícia Federal apura se a invasão foi financiada com dinheiro público. Nos últimos sete anos, o governo transferiu R$5,7 milhões à Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), entidade fundada e comandada por líderes do MLST, sendo a maior parte (R$5,6 milhões) na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo levantamento do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), R$3 milhões foram liberados pouco depois que cerca de 1.400 militantes do movimento invadiram o prédio do Ministério da Fazenda, em 14 de abril de 2005. Seis dias após a invasão, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) repassou R$1,9 milhão à Anara. Menos de três meses depois, líderes do movimento foram recebidos no Palácio do Planalto pelo presidente Lula, que chegou a usar boné e a agitar uma bandeira do MLST. Em 25 de agosto, 46 dias depois, houve novo repasse de dinheiro do Incra para a Anara: R$1,12 milhão.

O Movimento de Libertação dos Sem-Terra foi fundado há nove anos e tem acampamentos em 11 estados, 40% deles localizados em Pernambuco, onde fez as primeiras invasões de propriedades rurais.

De uma rica família de usineiros de Pernambuco, Maranhão, fundador do MLST, mora num apartamento de 200 metros quadrados num bairro nobre de Recife. Formado em engenharia, é ex-exilado político, fundador do PT e com passagem por partidos clandestinos durante a ditadura. Além dos processos a que responde na Justiça, Maranhão foi afastado da Secretaria de Movimentos Populares e da executiva do PT e enfrenta ainda um processo na comissão de ética do partido que pode levá-lo à expulsão, e teve o salário de R$6.800 cortado.