Título: A esperteza
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 13/07/2006, O GLOBO, p. 2

Os candidatos às eleições de outubro não as disputam em igualdade de condições. Os senadores e os deputados federais, além dos deputados estaduais de alguns estados, fazem uso de um privilégio para alavancar suas candidaturas. Diariamente, eles desfilam na TV Senado e na TV Câmara fazendo campanha eleitoral em transmissões ao vivo dos plenários e em entrevistas.

O público potencial dessas duas emissoras é de 62 milhões de telespectadores. Se apenas 2% deles, 1,240 milhão, estiverem ligados na TV Senado e TV Câmara todos os dias, esse público já é maior que qualquer comício que possa ser realizado por um candidato sem mandato ao governo estadual, ao Senado e à Câmara. Atualmente essas emissoras institucionais servem de palanque permanente para dois candidatos à Presidência da República: os senadores Cristovam Buarque, do PDT, e Heloísa Helena, do PSOL.

O palanque eletrônico também é instrumento eleitoral de 20 senadores que disputam os governos estaduais e de 12 que buscam a reeleição. Dele se utilizam também dois deputados que concorrem a governos estaduais e 13 que tentam chegar ao Senado. Enquanto isso, os candidatos sem mandato terão de esperar até o dia 15 de agosto, quando inicia o horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão, para ficarem conhecidos pelo público em geral. Até lá, o dinheiro público estará financiando, com transmissões ao vivo dos plenários da Câmara e do Senado, e com a reprodução de uma dezena de programas de entrevistas, as campanhas dos candidatos com mandato. Os deputados estaduais daquelas Assembléias Legislativas que têm televisões institucionais também se beneficiam desse expediente. As emissoras de televisão privada são fiscalizadas, as TVs Senado e Câmara, não. Para os políticos com mandato tudo, para os que não têm, o rigor da legislação.

Tudo isso ocorre sem que a Justiça Eleitoral tome qualquer providência. Não é à toa que os parlamentares inventam toda sorte de dificuldade para impedir o recesso. Não é por outra razão que eles pressionam para serem entrevistados pelos programas da TV Senado e da TV Câmara. É por isso que nas sextas-feiras se realizam sessões nas duas Casas, às vezes com apenas dois parlamentares, se revezando na direção da sessão e na tribuna. Eles falam para plenários vazios, mas seus discursos entram diretamente nas casas de milhares de eleitores.