Título: É MAIS DO QUE BARRIL DE PÓLVORA¿, DIZ ESPECIALISTA
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 13/07/2006, O País, p. 12

Para estudiosos, crime organizado age contra endurecimento no regime disciplinar e população deve ser alertada

A população ainda deverá continuar pagando a conta da queda-de-braço entre o crime organizado e a administração do sistema penitenciário de São Paulo, dizem especialistas. A nova onda de violência no estado é vista por eles como reação dos grupos organizados ao endurecimento na adoção de medidas disciplinares. E pode voltar a acontecer se não forem identificados e separados os que buscam chefiar a facção criminosa e a massa carcerária. Eles devem ser concentrados em presídios de segurança máxima e receber tratamento diferenciado, dizem. Combate à corrupção, ao uso de celulares e à entrada de drogas nos presídios também são recomendados.

¿ Não existe mágica nem se pode camuflar o problema. Há certa perda de controle da situação. Nem todos os 140 presídios de São Paulo são dominados pelo crime, mas em cada um deles há gente querendo dominar ¿ diz o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oscar Vieira.

Apoio federal pode ser mais lenha na fogueira

Segundo Vargas, o governo não pode negociar nem aceitar o domínio do crime, mas tem que alertar a sociedade sobre a possibilidade de novas ondas de violência. Para ele, o uso da Força Nacional de Segurança Pública, oferecido pelo governo federal, seria pôr mais lenha na fogueira eleitoral. Isso porque o governo federal vem se abstendo de colaborar mais profundamente com instrumentos como o Fundo Nacional de Segurança Pública, a construção de presídios e a reforma da polícia.

Helder Ferreira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também acha que é preciso buscar um regime diferenciado para infratores de alta periculosidade, mesmo que isso leve a novas retaliações. São Paulo conseguiu avanços, como retirar das delegacias pessoas condenadas, mas ainda tem presídios em péssimas condições.

¿ Não adianta só prender e separar os criminosos, porque o crime está tão organizado que pode aliciar outros integrantes ¿ acrescenta Ferreira, que defende a adoção de políticas para o fortalecimento das comunidades de baixa renda, com foco nos problemas da adolescência e juventude. Além do trabalho de inteligência para buscar informações sobre os chefes das facções e antecipar suas ações, Ferreira aponta ainda a necessidade de criar programas para garantir a segurança de agentes penitenciários, policiais e suas famílias.

¿ O sistema penitenciário de São Paulo virou um monstro inadministrável ¿ diz Julieta Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.

Segundo ela, o rápido aumento da população de presos do estado, num curto espaço de tempo (menos de dez anos) desequilibrou o sistema. Hoje, São Paulo tem 44% dos cerca de 360 mil presos do país.

¿ É uma massa de pobres que cometeram crimes sem gravidade e que pode virar massa de manobra dos grandes criminosos ¿ diz ela.

Houve um grande investimento na construção de novos presídios, mas não na assistência médica e jurídica, que são precárias, nem na redução da violência por parte dos agentes penitenciários, acrescenta ela. Falta ainda combater a ociosidade. Menos de 20% dos presidiários trabalham ou estudam:

¿ Tem aí mais do que um barril de pólvora. É nitroglicerina pura.