Título: Câmbio flexível
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 13/07/2006, Economia, p. 24

O governo vai anunciar as medidas de mudança do câmbio na semana que vem. A informação que se ouve no governo é que já estão superados alguns dos obstáculos. Um deles é que a Receita Federal se opôs a qualquer mudança que significasse perda de receita. Deixariam de ser arrecadados de R$600 milhões a R$700 milhões em CPMF. Agora foi encontrada uma fórmula para evitar esta perda.

O pacote está prometendo desobrigar as empresas de trazer todos os dólares que arrecadam no exterior com suas atividades econômicas e comerciais. Se o dinheiro não entra no país, não pagará CPMF, já que não há a movimentação financeira. Mesmo assim, o governo está dizendo que foi encontrada uma fórmula para compensar essa arrecadação. Isso equivaleria a cobrar um imposto sem fato gerador. A explicação que se ouve no governo é que a Receita é criativa e já encontrou uma fórmula de manter a arrecadação.

O governo não adotará uma fórmula que privilegia um setor em relação ao outro. As vantagens setoriais poderiam levar a distorções como as que já ocorreram no passado com outras políticas que escolhem beneficiados. Ela será geral e a grande preocupação é que não seja benéfica apenas para as grandes empresas.

O governo chegou a anunciar, como se estivessem prontas, as medidas de mudanças nas regras da entrada do câmbio no país. Isso quando o dólar estava caindo muito. Ele voltou a subir e a conversa sobre essas medidas parou. Agora voltou a cair e o governo está prometendo o pacote para breve. A explicação para essas idas e vindas, anúncios e atrasos, é que, como se diz no governo, é preciso muito cuidado para mudar uma ¿legislação centenária¿. Não chega a ser centenária, mas é uma lei de 1933 e determinava que todas as receitas com exportação fossem transformadas em moeda nacional para que o país acumulasse divisas. Hoje o problema é o oposto: entrou dinheiro demais de comércio e de investimento de curto prazo, pelos altos juros que o país mantém, e isso levou a apreciação do real. Se as medidas forem para facilitar, desburocratizar, desonerar a atividade econômica, serão bem-sucedidas; se forem só uma forma de aumentar o dólar para atender aos reclamos dos exportadores, não serão bem-sucedidas. Não se muda uma política de mais de 70 anos por causa de uma conjuntura cambial.

A maioria dos especialistas não acha que haverá mudança importante no fluxo de dólares que produza um efeito de desvalorizar o real e aumentar o valor do dólar, mas, no governo, a medida é tratada como o início de uma nova tendência que levará à depreciação da moeda brasileira.

No início, falava-se em acabar com a cobertura cambial, hoje é só a idéia de flexibilizar a cobertura. Empresas serão autorizadas a manter uma parte dos dólares no exterior, possivelmente para cobrir os custos que têm também no exterior. Por exemplo, uma empresa que exporta e importa não teria que trazer os dólares e reenviá-los. Mas o que acontecerá com a empresa que gera receitas no exterior mas não importa muito? Caso da Vale do Rio Doce, por exemplo. A Petrobras exporta muito e importa muito, mas a Vale só exporta. Esses detalhes estão ainda em discussão, mas, no governo, garante-se que o debate está na reta final e que as medidas estão praticamente prontas.

Outro fator que pode melhorar o câmbio é a queda dos juros, mas eles continuarão caindo tão lentamente que ainda não fizeram efeito. Ontem o dólar subiu um pouco, mas como efeito de mais uma atuação do Banco Central comprando moeda americana.