Título: ISRAEL BLOQUEIA ACESSO AO LÍBANO
Autor:
Fonte: O Globo, 14/07/2006, O Mundo, p. 34

Bombardeios matam 55. Hezbollah revida com maior ataque a cidades israelenses em 10 anos

BEIRUTE e JERUSALÉM

Israel e o grupo radical xiita libanês Hezbollah intensificaram suas ações militares ontem, causando o bloqueio quase total do Líbano e levando o Oriente Médio à beira de um novo conflito de graves proporções. A expansão dos enfrentamentos, iniciados anteontem com um ataque do Hezbollah a uma patrulha na fronteira, causou a morte de 55 civis libaneses e dois israelenses, além da fuga de milhares de pessoas das regiões bombardeadas nos dois países. As pistas do aeroporto de Beirute, a capital do Líbano, e Haifa, terceira cidade de Israel, foram atingidos por foguetes e mísseis. O Conselho de Segurança da ONU se reunirá hoje para discutir a situação e o secretário-geral, Kofi Annan, despachou uma equipe para a região a fim de tentar conter a escalada do conflito.

Israel jogou o peso de sua supremacia militar sobre o Líbano, acusado de cumplicidade nos ataques dos radicais xiitas, que mataram oito soldados israelenses e seqüestraram outros dois anteontem. A Marinha bloqueou os portos libaneses, obrigando navios a darem meia-volta com suas cargas, e a Força Aérea bombardeou o aeroporto de Beirute ¿ fechado pela primeira vez desde a invasão israelense em 1982 ¿ praticamente isolando o país. Os vôos foram desviados para Chipre. A única saída do Líbano passou a ser um posto de fronteira com a Síria, para onde milhares de turistas estrangeiros apanhados no auge da estação de férias se dirigiram. Pelo menos 15 mil veículos cruzaram para território sírio ontem, a maioria com placas de países do Golfo Pérsico. Na madrugada de hoje, aviões israelenses bombardearam a principal rodovia que liga Beirute a Damasco e várias posições do Hezbollah no leste do país, na fronteira com a Síria.

Duas bases aéreas libanesas também foram bombardeadas, assim como instalações do canal de TV do Hezbollah em Beirute, atingidas por foguetes disparados por helicópteros. Pelo menos dez pontes que ligam o norte ao sul do Líbano foram atacadas, isolando a região. Canhoneiras israelenses lançaram obuses contra as proximidades de Marwahin e Ras Naqura, duas cidades situadas na fronteira, onde se posicionaram combatentes de grupo xiita. Israel advertiu o governo libanês a evacuar um bairro no sul de Beirute onde se acredita que more o líder da ala militar do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, e que o grupo mantenha arsenais. Aviões israelenses jogaram milhares de panfletos alertando os moradores a se manterem afastados de prédios pertencentes ao grupo. À noite, a TV informou que o bairro de Usai fora atingido por projéteis disparados pela Marinha de Israel. No fim do dia, chegava a 53 o número de vítimas civis ¿ quatro delas pertencentes a uma família brasileira morta numa aldeia ¿ e passava de cem o número de feridos.

¿ Estamos tomando medidas fortes para que fique claro ao povo e ao governo libaneses que estamos falando a sério ¿ disse o ministro da Segurança de Israel, Isaac Herzog.

Centenas de milhares dormem em abrigos

Reunido pela terceira vez em 24 horas, o Conselho de Ministros do Líbano voltou a negar que o governo tenha qualquer participação nos ataques de anteontem na fronteira com Israel. Reagindo ao violento contra-ataque israelense, o ministro do Interior, Ahmed Fatfat, acusou o país vizinho de cometer ¿atos de guerra¿ e de usar as ações do Hezbollah como desculpa para prejudicar os interesses econômicos libaneses, sobretudo na área de turismo. O premier Fuad Siniora pediu que tanto Israel como o Hezbollah cessem as hostilidades. Já o presidente Émile Lahoud, aliado da Síria ¿ acusada por Israel de estar por trás dos ataques por dar sustentação aos radicais xiitas ¿ reiterou seu apoio ao grupo, explicitando o racha dentro do governo libanês.

Por sua vez, o grupo radical xiita libanês fez seu maior ataque a Israel nos últimos dez anos, disparando cerca de cem foguetes Katiusha contra 20 cidades, kibutz e localidades, espalhando o pânico no norte do país, onde foi declarado estado de emergência e as equipes médicas receberam ordem de permanecer nos hospitais de plantão. Apavoradas, milhares de pessoas fugiram para o sul e centenas de milhares procuraram proteção nos abrigos antiaéreos. Os foguetes mataram uma mulher em Safed e outra em Nahariya. Pelo menos cem pessoas ficaram feridas. Em Safed, cidade religiosa a 12 quilômetros da fronteira que nunca sofrera um ataque de Katiushas, o medo era ainda maior por causa da escassez de abrigos antiaéreos. Várias localidades da região ficaram sem eletricidade.

A cidade portuária de Haifa, com 275 mil habitantes e a 60 quilômetros da fronteira, também foi atingida pela primeira vez por foguetes ¿ dois, segundo o Exército israelense. O ataque deixou estarrecida a população local, que antes se sentia protegida pela distância que a separa do Líbano. Metade das residências ficou sem telefone, aumentando ainda mais o medo. Horas antes do ataque, um general israelense informara ao Parlamento que a inteligência militar acreditava que o Hezbollah dispunha de pelo menos cem foguetes com alcance de até 70 quilômetros, o que deixaria até a região da Galiléia ¿ incluindo a cidade de Tiberíades ¿ exposta aos Katiushas dos radicais libaneses. Com a fuga de moradores das áreas atingidas para o sul, os hotéis de Tel Aviv registraram um aumento de ocupação, sobretudo por parte de pessoas que não têm familiares com quem se abrigar.

O ministro da Defesa israelense, Amir Peretz, deixou claro que o Hezbollah não permanecerá nas posições que ocupava antes dos ataques de anteontem.

¿ Registramos vítimas em nosso território. Não daremos mostras de contenção para atingir da forma mais dura possível esta organização que violou todas as regras e quer levar o Oriente Médio ao abismo ¿ disparou ele, que correu para um abrigo antiaéreo em Safed durante um ataque com Katiushas à cidade.

O governo de Israel disse temer que os militares seqüestrados pelo Hezbollah sejam transferidos para o Irã, que tachou de ¿absurda¿ a possibilidade. O presidente Mahmoud Ahmadinejad, por sua vez, solidarizou-se com a Síria e disse que se Israel atacar aquele país ¿receberá uma resposta severa¿.

Em Gaza, o grupo radical palestino Hamas pediu ao Hezbollah a coordenação de estratégias para libertar presos em troca de soldados israelenses seqüestrados. O Hezbollah mantém dois militares de Israel em seu poder e os palestinos, um. O governo de Israel, no entanto, já disse que não vai se submeter a pressões e trocar militantes palestinos e libaneses presos pelos militares.