Título: O SEQÜESTRO DA DEMOCRACIA
Autor: THOMAS FRIEDMAN
Fonte: O Globo, 15/07/2006, O Mundo, p. 38

Quando se vê a violência que se desenrola hoje no Oriente Médio é fácil achar que já se assistiu a esse filme antes e que se sabe como termina: mal. Mas nós não vimos este filme antes. Há algo novo acontecendo.

O que vemos no Iraque, nos territórios palestinos e no Líbano é um esforço de partidos islâmicos de usarem as eleições para perseguir seu velho objetivo de islamizar o mundo árabe-muçulmano. Não é um conflito sobre presos palestinos ou libaneses em Israel. É uma luta pelo poder dentro de Líbano, Palestina e Iraque sobre quem dará as cartas em seus governos ¿democráticos¿ e se serão democracias reais.

O pequeno braço militante do Hamas está manipulando as cordas da política palestina, o partido islâmico xiita do Hezbollah, apoiado pelo Irã, faz o mesmo no Líbano, assim como partidos xiitas apoiados pelo Irã no Iraque.

Como resultado, a experiência democrática pós-11/9 no mundo árabe está sendo seqüestrada. Sim, eleições basicamente livres e justas aconteceram em Líbano, territórios palestinos e Iraque. Mas as raízes da democracia são tão ralas e as maiorias moderadas tão fracas e intimidadas que temos o pior dos mundos. Temos partidos islâmicos que se elegeram, mas insistem em manter milícias e recusam-se a assumir responsabilidades de um governo soberano. Recusam-se a se submeter ao princípio de que um partido no governo não pode arrastar um país inteiro para a guerra.

¿ A expectativa ocidental era de que as eleições produzissem governos legítimos com o poder de controlar a violência ¿ disse o teórico político israelense Yaron Ezrahi. ¿ Mas o que aconteceu nesses três lugares é que se produziu governos soberanos só no papel.

Então, por que Hamas e Hezbollah foram eleitos? Em geral, porque efetivamente combateram a corrupção dos velhos partidos seculares controlados pelo Estado, ressalta Ezrahi. Mas, uma vez no poder, voltaram-se para servir aos interesses de suas facções.

Por que as maiorias silenciosas não punem esses partidos por trabalharem contra os interesses de seus povos? Porque aqueles que falam contra o Hamas e o Hezbollah são chamados de ¿lacaios americanos¿ ou assassinados, como Rafik Hariri, o ex-premier libanês.

As pequenas flores da democracia estão sendo esmagadas pelas botas das milícias islâmicas apoiadas pela Síria que tentam manter a democracia real afastada da região e das milícias apoiadas pelo Irã, que evitam que a modernização se instale. Talvez os céticos estejam certos: talvez a democracia não possa ser implantada em todos os lugares. Toda a experiência democrática no mundo árabe-muçulmano está em jogo aqui, e neste momento está desaparecendo na fumaça.

THOMAS FRIEDMAN é colunista do New York Times