Título: PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO
Autor: CESAR MAIA
Fonte: O Globo, 16/07/2006, Opinião, p. 7

ORio de Janeiro foi, certamente, o primeiro grande município brasileiro a ter seu Plano Diretor na forma da Constituição de 1988, tendo sido sancionado em 1991. A sua vigência é decenal e, portanto, em 2001 a prefeitura do Rio apresentou uma proposta de revisão para o debate da Câmara de Vereadores. Mais tarde, o chamado Estatuto da Cidade tornou essa tarefa ¿ a de aprovar planos diretores ¿ compulsória para os municípios e, como desdobramento, fixou-se uma data-limite ¿ outubro deste ano ¿ para aqueles que ainda não tinham um plano diretor.

Desde 1991, o Rio já tem esta tarefa cumprida e o que cabe, agora, é atualizar o seu Plano Diretor. Isso está sendo feito pela Câmara Municipal, sem açodamento. Uma comissão especial foi eleita pelos senhores vereadores para definir o documento base, a partir do qual serão feitas as emendas que considerarem necessárias e, finalmente, proceder às votações. Estima-se que essa etapa final ocorrerá no último bimestre de 2006 ou no primeiro trimestre de 2007. O Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), criado por lei municipal com representação governamental e dos segmentos sociais diretamente interessados, como moradores, profissionais e empresários, debruçou-se sobre o plano vigente, sobre a experiência de sua aplicação, sobre os novos desafios da cidade, e desenhou um longo e extenso documento, na forma de proposta de novo Plano Diretor.

Mesmo que seja um documento que vai além das funções de um plano, entrando no terreno da legislação de rotina, ele passou a ser um guia de discussão. Alguns queriam que a prefeitura o adotasse, ou desenhasse uma proposta a partir de sua coluna vertebral, e encaminhasse como emenda substitutiva geral à Câmara Municipal. Decidiu-se entregar a proposta do Compur diretamente aos senhores vereadores da Comissão Especial, e que esses a apresentassem, na forma de proposta interna, à própria Comissão. Essa metodologia torna o processo de discussão mais democrático, mais amplo e mais participativo.

O Poder Executivo irá acompanhando os debates através da liderança do governo na Câmara e através de seus secretários e técnicos, de modo que sua opinião seja mais uma em discussão nesta etapa. Uma vez concluído o documento base, e se houver um ou mais pontos divergentes, se apresentarão emendas diretamente ou através da liderança do governo. Os limites do Plano Diretor estão em seu próprio escopo: definir prioridades, restrições, critérios, instrumentos e princípios que venham nortear a legislação ordinária e delimitar os atos administrativos. Há questões consensuais, como a redefinição destas e apenas cinco áreas de planejamento, que obrigam o Executivo a desmembrá-las para torná-las operacionais e práticas. AP-3, por exemplo, agrupa toda a Zona Norte, de Anchieta ao Méier. A Zona Sul está agregada à Tijuca e à Vila Isabel. Bangu está agregado a Santa Cruz. É necessário, portanto, desenhar novas subdivisões.

Questões como antigas regiões agrícolas, que já não cabem mais, podem ser revistas sem que se confunda o escopo do Plano Diretor com o de um PEU ¿ Plano de Estruturação Urbana. Deve-se discutir quais instrumentos alocados anteriormente ao Poder Executivo devem se tornar decisões legislativas e vice-versa. Deve-se separar com mais clareza o conceito de interesse social daquele de interesse urbano ou de interesse privado. Explico, usando como referência o solo já definido ou a ser criado. No primeiro caso, o poder público pode até transferir imóveis seus para regularização da propriedade em comunidades mais pobres. No segundo, pode induzir e estimular a ocupação, abrindo mão de compensação pelo solo criado, para evitar a degradação urbana. E, no terceiro, não pode abrir mão de compensação ¿ mais-valia ¿ pelo solo criado por se configurar interesse privado em condições de mercado.

O Plano Diretor define as regras, mas não as regulamenta, deixando para a lei ordinária e permitindo que o tempo possa indicar correções através de novas legislações. Um tema pouco abordado diz respeito à administração pública, que mais do que nunca deve ser parte integrante do Plano Diretor, como por exemplo pela exigência de um sistema de controle de dois grandes vetores: o financeiro e o jurídico. É importante que, de acordo com a Constituição e com base no Plano Diretor atual, sejam rediscutidas as regiões de expansão induzida e as áreas prioritárias para habitação popular, com os estímulos correspondentes. É importante que temas como Transportes, Área Social, Saúde, Educação e Meio Ambiente ganhem maior profundidade.

Enfim, estes são meros exemplos da riqueza deste debate, que já começou. E que não se pense um plano diretor como tarefa apenas de urbanistas. Se as audiências públicas do Plano se tornarem maciças, seja pela presença de moradores, profissionais ou empresários, seja pelo envolvimento das faculdades, não há dúvida que, partindo-se de um bom documento, como o Plano atual, se chegará a um plano diretor melhor ainda e de acordo com as necessidades da cidade.

CESAR MAIA é prefeito do Rio de Janeiro.