Título: Sem milagre na multiplicação das 10 mil obras
Autor: Carla Rocha e Fábio Vasconcelos
Fonte: O Globo, 16/07/2006, Rio, p. 22

TCE acha itens não executados, repetidos e 940 serviços de rotina em lista de Rosinha

Uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE) descobriu projetos não realizados, inacabados e irregularidades em contratos na lista das dez mil obras do governo, que originou a propaganda oficial do estado, veiculada no início do ano no rádio e na TV. O caso mais grave é o de Nova Iguaçu, onde foram encontradas 302 ruas em que as obras de pavimentação não foram concluídas ou sequer iniciadas. O tribunal constatou ainda que o estado engrossou sua lista contando as mesmas obras mais de uma vez, ou incluindo vários trechos da pavimentação de uma única rodovia que passa por diferentes municípios. E mais: pelo menos 940 itens da relação eram, na verdade, serviços de rotina, como instalação de uma tubulação de 45 metros num bairro de Duque de Caxias.

O trabalho do TCE tomou por base duas fontes: reportagens do GLOBO, publicadas a partir de março deste ano, e a lista das dez mil obras ¿ a que foi alterada pelo próprio governo dias depois de o assunto aparecer no jornal. Os técnicos da Coordenadoria de Auditoria de Obras do tribunal, além de visitar algumas obras, também analisaram os critérios usados na elaboração da lista. Eles examinaram ainda 271 contratos, identificando ¿inúmeras irregularidades¿.

TCE vê danos ao erário em Mesquita

Apesar de garantir que só havia incluído na lista obras executadas, o governo anunciou ter pavimentado 645 ruas em Nova Iguaçu, mas 46% não tinham asfalto, como a Martins Júnior, a Sorocaba e a Avenida Oswaldo Cruz, visitadas por repórteres do GLOBO. As três constavam de um convênio assinado entre o estado e a prefeitura. Na época, o governo alegou que essas ruas não eram contempladas no contrato. O técnicos, agora, negam a versão e vão além, concluindo que o serviço também não foi realizado em outras 302 ruas do mesmo convênio. Quatorze delas foram fotografadas para ilustrar a inspeção.

O relatório foi votado pelo plenário do TCE, na terça-feira da semana passada. O órgão notificou o governo do estado e as prefeituras de Nova Iguaçu, Maricá, Mesquita e São Gonçalo. O tribunal considerou que a lista não é precisa e determinou que o estado passe a adotar critérios homogêneos e objetivos em futuros trabalhos semelhantes. No documento, os auditores chegam a observar que não foi ¿possível estabelecer uma relação direta entre os quantitativos dos contratos auditados e os itens mostrados na listagem¿. A Secretaria de Comunicação disse que não recebeu a notificação e por isso não comentaria os resultados da inspeção.

O TCE quer saber por que o governo não realizou obras emergenciais no valor de R$6 milhões no Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, no Caju, que estavam previstas e até autorizadas pelo tribunal desde 2005. O tribunal havia permitido a dispensa de licitação diante do argumento do estado de que ¿o ambiente destinado ao isolamento respiratório não é adequado à internação de pacientes com suspeita de infecção por vírus emergentes¿. A lista citava reparos no instituto. O tribunal verificou que foram feitas pequenas adequações com recursos da própria administração da unidade. O estado do prédio, que teve o segundo andar interditado, ainda é precário. O secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, terá que dar explicações sobre o caso.

Segundo o TCE, a reforma do prédio da sede da prefeitura de Mesquita, que está na lista, foi, na verdade, a adaptação do clube onde até hoje o prefeito Artur Messias despacha provisoriamente. O estado pagou R$148 mil pelo serviço. O tribunal, porém, chama a atenção para possíveis ¿danos ao erário¿ pelo fato de a construção do prédio-sede da prefeitura estar paralisada por falta de repasses do governo. A obra só recebeu cerca de 55% dos R$11 milhões previstos. O estado afirmava que o prédio estava concluído e que o prefeito não tinha se mudado para o local porque não quis. Artur Messias também será notificado para garantir a conservação do prédio vazio:

¿ Dentro de 30 dias vou retomar as obras com recursos da prefeitura, não vamos mais esperar pelo estado ¿ afirma Artur Messias.

Em Maricá, a inspeção verificou que a Rua José Fortes, no bairro Ubatiba ¿ que estava na primeira versão da lista, depois alterada ¿ está sendo pavimentada agora. O estado explicou, na ocasião, que a colocara na lista por engano no lugar da Marquês de Sapucaí, também visitada pelos técnicos. E, nesta última, os auditores apontaram problemas na pavimentação que, com pouco tempo, já apresenta buracos.

O tribunal citou trabalhos que não resolveram os problemas dos moradores porque ainda dependem da realização de projetos mais amplos. Como o assentamento de 45 metros de cano na Rua Gomes Freire, em Duque de Caxias, e os trabalhos de ¿esgotamento sanitário, abastecimento de água e urbanização¿ no Jardim Catarina, em São Gonçalo, que não acabaram com a falta de água crônica nesses lugares.

Outro caso é o da ¿Pesquisa para avaliação do potencial hídrico subterrâneo visando o abastecimento¿ em Jardim Graciema, em Maricá, que também depende de outras para obras para solucionar os problemas. A obra ¿ que se resumiu à perfuração de dois poços e à colocação de uma tubulação ¿ não garante água aos moradores. O TCE ainda constatou que um dos poços não está sendo usado porque, segundo a Cedae, não seria economicamente viável.

Também depende de outras etapas a obra na Lagoa de Piratininga, em Niterói, que estava parada em março. O tribunal apurou que, devido a alterações no projeto inicial, os recursos não foram suficientes para construir a comporta que vai controlar o fluxo de água do mar para a lagoa. Isso só será possível quando forem realizadas outras duas fases.

Outro item analisado foi a Rua 14 do primeiro projeto de casas populares do governo, em Sepetiba, que não está asfaltada, embora a lista se referisse à pavimentação das ruas dos conjuntos 1 e 2. Os técnicos afirmam que o estado pavimentou a Rua 14, nos setores 1 e 2, mas que há outra com o mesmo nome nos setores 5 e 6, que não tem asfalto. Um contrato, no entanto, prevê a pavimentação da rua desde 2004.