Título: UM PAÍS CERCADO DE PERIGO POR TODOS OS LADOS
Autor: Florencia Costa
Fonte: O Globo, 16/07/2006, O Mundo, p. 42

Terror que atacou Bombaim ressalta riscos que corre a Índia, caldeirão de conflitos étnicos, religiosos e políticos

BOMBAIM. Uma pergunta martela a cabeça dos indianos nos últimos dias: ¿Até onde vai nossa paciência?¿ O terrorismo é um velho conhecido deles. Há meio século ¿ quando os britânicos foram embora e houve a partilha do país com a criação do Paquistão ¿ a Índia convive com essa e outras chagas igualmente fatais em seus 3,2 milhões de quilômetros quadrados. O terrorismo é fermentado fora das fronteiras que o país tem com outras sete nações, principalmente pelo Paquistão.

Além disso, a Índia enfrenta violentos conflitos internos. São gerados por motivos religiosos, étnicos, políticos, econômicos e contam com a ajuda de organizações mafiosas, especialmente em Bombaim. Um espelho disso foi o destino sangrento dos mais importantes líderes políticos do país: Mahatma Gandhi, morto por um extremista hindu; a ex-primeira-ministra Indira Gandhi, assassinada por radicais sikhs (grupo étnico e religioso); seu filho, Rajiv Gandhi, alvejado por extremistas do vizinho Sri Lanka (que exigiam a separação do estado de Tamil Nadu, no sul da Índia). Diante desse caldeirão explosivo é uma façanha que a Índia continue sendo a maior democracia do mundo.

Sinais de atividade terrorista vinda do Paquistão

A mais assustadora face do terror vem do norte: a Cachemira. Durante a partilha, em 1947, com o deslocamento de 10 milhões de pessoas na fronteira e a morte de 1 milhão, um terço da área ficou com o Paquistão. O restante forma o estado indiano de Jammu e Cachemira, onde a população é majoritariamente muçulmana (65%). A disputa pela região já provocou 40 mil mortes. Nos últimos meses a Índia recebeu vários sinais de que terroristas baseados em campos de treinamento do Paquistão preparavam alguma ação. Menos de duas semanas antes do atentado que matou 200 pessoas em Bombaim na terça-feira, o secretário de assuntos internos da Índia, K. Duggal, alertou, no dia 23 de junho:

¿ Até maio, 155 terroristas atravessaram a fronteira do Paquistão e chegaram à Índia, o dobro do número registrado no mesmo período em 2005.

Mas as investigações pós-atentado indicam que os terroristas podem ter entrado também por outras fronteiras, além do Paquistão: Afeganistão, Nepal e Bangladesh.

O atentado que atingiu o coração financeiro da Índia no 11 de julho estremeceu mais uma vez as relações entre Índia e Paquistão e ameaça explodir as negociações de paz. As investigações até agora apontam para grupos islâmicos fundamentalistas que pregam a destruição do hinduísmo ¿ religião de quase 80% dos 1,1 bilhão de indianos.

O Lashkar-e-Toiba (Exército dos Puros) está entrincheirado no Paquistão. O Movimento dos Estudantes Islâmicos tem células terroristas espalhadas pelo país, principalmente no estado de Maharashtra e sua capital, Bombaim. E, desde março, quando o presidente dos EUA, George W. Bush, veio à Índia ¿ numa visita que sinalizou o estreitamento das relações dos países ¿ a al-Qaeda incluiu a Índia entre seus inimigos.

Um país tão complexo e diverso ¿ que literalmente não fala a mesma língua ou reza pela mesma cartilha ¿ está sempre na mira de explosões étnicas e religiosas. Há conflitos econômicos por disputa de terras no nordeste. Também há os conflitos políticos, fomentados por comunistas como os naxalistas (de orientação maoísta).

Mas o terrorismo e os conflitos motivados pela intolerância religiosa geram as ações mais sangrentas. A grande maioria da comunidade muçulmana do país (cerca de 140 milhões) está preocupada: não quer ser confundida com extremistas patrocinados por outros países.

¿ Uma atmosfera de ódio começa a ser construída contra nós ¿ alertou Maulama Mehmood Daryabadi, do Conselho Ulemá da Índia, uma das várias organizações muçulmanas radicadas em Bombaim que se dispuseram a colaborar com as autoridades para descobrir os responsáveis pelos atentados.

A história já registrou violentos conflitos entre hindus e muçulmanos radicais. O mais sangrento, nos anos 90, foi justamente em Bombaim, com quase mil mortos ¿ a maioria muçulmanos. A causa foi a destruição de uma mesquita do século XVI no norte da Índia por radicais hindus. Há uma semana, muçulmanos haviam entrado em choque com a polícia num vilarejo perto de Bombaim. Dois dias antes dos atentados de terça-feira, radicais hindus paralisaram Bombaim com violentas manifestações: atearam fogo a ônibus e ordenaram o fechamento da imensa rede de comércio da metrópole. Parecia um aviso de que algo pior estava por vir.