Título: Sinais positivos
Autor: Miriam Leitao
Fonte: O Globo, 16/07/2006, Economia, p. 34

O pior da turbulência econômica externa passou e o Brasil se saiu muito bem: neste período, três agências de classificação de risco melhoraram a avaliação do país e os juros continuaram caindo, mesmo num contexto de aperto da política monetária no mundo. A turbulência política internacional piorou nos últimos dias, mas o que aconteceu na economia em maio e junho foi um bom teste. Esta semana, os juros vão cair de novo.

Na política, estourou o ataque de Israel ao Líbano, a Coréia lançou mísseis, permanece a tensão no Irã. Tudo isso bateu nos preços do petróleo, já ameaçados pelo excesso de consumo, pela queda da produção no Golfo do México e pelo temor em relação à nova temporada de furacões. Na semana, o petróleo passou dos US$78.

No mercado financeiro internacional, está passando o pior de uma fase de incerteza. O presidente do Fed, Ben Bernanke, e o mercado começam a falar a mesma língua. Bernanke era acadêmico e nunca foi um operador de mercado. Teve que aprender as palavras certas para se comunicar com ele. Bernanke chegou dizendo que era preciso aumentar a transparência e passou a explicitar até suas dúvidas. Passou a idéia de que o Fed não sabia para onde ir. Produziu um volume razoável de ruídos.

Mudou também o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, mas o mercado achou que foi para melhor. O atual, Henry Paulson, tem mais credibilidade no mercado financeiro internacional do que tinha John Snow. É considerado, pelo mercado, como ¿um dos nossos¿. Henry Paulson tem dito que o déficit fiscal americano está em queda em direção a um nível mais sustentável, como o estabelecido pelos países europeus, de 3%. Há controvérsias, mas o novo secretário tem sido convincente nos encontros internacionais. Não sumiu o fantasma de uma queda do crescimento americano, não acabaram as dúvidas sobre o ritmo do mercado imobiliário, não desapareceram os desequilíbrios econômicos mundiais, mas o nervosismo produzido pelas incertezas econômicas está diminuindo. Na sexta-feira, bons dados da conjuntura americana alimentaram a impressão de que os juros podem parar de subir nos Estados Unidos.

A dúvida que o mundo tem tido nesta fase de incerteza é sobre se acabou o tempo de crescimento sem pressão inflacionária. A China exportando produtos baratos permitiu que o mundo crescesse sem aumento da inflação durante anos. Ela exportou uma onda deflacionista. Agora, nos encontros internacionais, as autoridades chinesas admitem que está havendo um aumento do custo de produção na China. O país parece estar atingindo seu limite nos custos de produção e começa a subir os preços. Além disso, a China está numa situação cambial esdrúxula. A pressão para a valorização do yuan é fortíssima. O país tem 47% de taxa de poupança e já está com US$900 bilhões de reserva cambial e, mesmo assim, o câmbio continua controlado com mão-de-ferro. É impossível rasgar para sempre os manuais econômicos; em algum momento, haverá a apreciação da moeda chinesa.

Mas existem outras forças reduzindo a inflação mundial. Uma delas, a exportação de serviços da Índia, que reduz custos no mundo inteiro. Outra, a exportação da mão-de-obra qualificada da Rússia. Para se ter uma idéia, na Alemanha, o salário de um trabalhador alemão é em média US$20 por hora e o de um trabalhador russo qualificado é de US$2. Se, por um lado, isso acentua o desemprego nas grandes economias européias; por outro, reduz a pressão inflacionária.

A grande novidade nesta onda de turbulência que sacudiu o mundo nos últimos dois meses foi a maneira como o Brasil passou por ela. Vários países enfrentaram alta de juros, como a Turquia, por exemplo, e o Brasil teve melhora na classificação de risco tanto da Fitch quanto das agências classificadoras do Japão e da Europa. Em algumas delas, está a um passo de ser considerado investment grade.

A inflação está gravitando em torno da meta, mas abaixo do centro. A tendência é de continuar cumprindo a meta em 2007 e 2008. A dívida interna dolarizada foi eliminada. O Brasil está com US$62 bilhões de reservas e a dívida externa bruta do Tesouro é de US$70 bilhões. Ou seja, a soma do que o Tesouro deve em bônus e às agências multilaterais é quase do tamanho das reservas cambiais, o que significa uma dívida líquida quase inexistente.

O país está crescendo em torno de 4%. Com desequilíbrios e assimetrias nas várias regiões, como disse aqui na sexta-feira. O sul do país está em recessão. Na média, o Brasil pode ter um dos melhores anos recentes em termos de crescimento. O cenário é tão bom que torna ainda mais esquisito o número que não combina com o resto: o da taxa de juros. Ela está em 15,25%, taxa de país doente. Os juros destoam, desafinam.

O Banco Central argumenta, em sua defesa, que o Brasil tem tido juros altos há tempo demais. De 1997 para cá, apenas em 2001, a taxa esteve no nível que está hoje, em 15,25%; mas só ficou nesse nível por dois meses e depois voltou a subir. Será a primeira vez que ficará abaixo de 15% nesses nove anos. Mesmo assim, continuará sendo, em qualquer comparação com o mundo, uma taxa alta demais.