Título: SALÁRIOS BAIXOS ACIRRAM CONCORRÊNCIA NA ÁSIA
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 16/07/2006, Economia, p. 37

China começa a perder empresas estrangeiras, apesar da mão-de-obra barata, para países que pagam menos ainda

PEQUIM. Uma das notícias de maior repercussão na China atualmente vem de Guangdong, a mais rica província do país, onde está localizado o grosso do parque industrial voltado para a exportação. Mas não se trata de mais uma denúncia sobre as condições de trabalho aviltantes na região, celeiro de jovens camponeses que migram para as cidades em busca de uma renda qualquer em fábricas de tecidos, brinquedos ou bugigangas eletrônicas. O que aflige a China é a sensação de que o país vive, neste momento, o pico da era dos salários absurdamente baixos ¿ com pisos entre US$50 e US$75 por mês, em média, considerados por especialistas a verdadeira vantagem competitiva no comércio internacional ¿ e mesmo assim o país está perdendo fábricas para vizinhos que pagam menos ainda.

Segundo os jornais chineses, o fabricante de artigos esportivos chinês Millenium Group parou de fornecer calçados para a Nike, que no começo do ano teria transferido a maioria de seus pedidos para indústrias no Vietnã. Cerca de US$16 milhões serão investidos numa fábrica no país para transformá-lo no maior fornecedor dos produtos da empresa a partir de 2007. O motivo: o custo da mão-de-obra no Vietnã ¿ e em países como Bangladesh, Camboja, Tailândia, Filipinas e Malásia ¿ está ficando mais barato à medida que a China enriquece, a política do filho único reduz a mão-de-obra jovem, o governo diminui a carga tributária sobre os camponeses e os trabalhadores começam a exigir maiores salários e benefícios.

¿ A globalização na Ásia pode ser entendida a partir de uma pergunta estratégica das grandes corporações: quem quer trabalhar por menos? ¿ diz Anita Chan, pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisa de Ásia Pacífico da Universidade Nacional da Austrália. ¿ É certo que a China ainda tem um superávit de centenas de milhões de trabalhadores, o que manterá a vantagem do país por algum tempo. Mas o que se vê na região é o natural deslocamento do investimento de áreas onde o salário é maior para onde os trabalhadores ganham menos, como o Vietnã.

Alta de salário na China supera a de vizinhos

O próprio governo chinês já admitiu que nas províncias de Guangdong e Fujian está difícil contratar e há um excesso de 800 mil vagas. O que fez Hua Ruxing, professor da Escola de Administração e Economia da prestigiada Universidade de Tsinghua, vaticinar em uma palestra que ¿a vantagem de custo da mão-de-obra chinesa vai desaparecer em oito anos¿. A edição alemã do jornal ¿Financial Times¿ confirma a tese: o crescimento anual do salário médio na China, de 1998 a 2004, ficou entre 8% e 12%, bem acima da alta no resto da região.

¿ É importante notar que o custo de oportunidade para os migrantes na China é a sua renda no campo. Ou seja, o salário no chão da fábrica nas cidades é determinado pela renda rural, de onde sai a mão-de-obra das indústrias. Com o aumento de 30% na cotação dos grãos e a redução na taxação dos produtores rurais, a renda do campo cresceu, empurrando os salários na indústria ¿ explica o economista-chefe do banco Goldman Sachs em Hong Kong, Hong Liang.

Além disso, diz ele, apesar do superávit de mão-de-obra, a proporção dos trabalhadores entre 15 e 24 anos em relação ao total da população chinesa caiu de cerca de 21%, em 1990, para aproximadamente 15% hoje. E a educação desses trabalhadores também melhorou:

¿ Segundo a OCDE, o tempo médio de estudo dos trabalhadores que ingressam este ano no mercado de trabalho é de 11 anos, contra quatro anos, em média, dos que estão se aposentando.