Título: Os desassistidos
Autor: PAULO ROMANO
Fonte: O Globo, 17/07/2006, Opiniao, p. 7

Nos últimos três anos, quatro tradicionais casas de saúde particulares do Rio de Janeiro fecharam as portas, reduzindo em pelo menos 1.200 o número de leitos hospitalares na cidade. Mesmo reconhecendo o aumento de oferta feito por outras instituições privadas no mesmo período, o déficit atual gira em torno de 800 a 900 leitos, situação dramática, sobretudo se considerarmos dois aspectos.

O primeiro deles é o que está por trás do constante fechamento de hospitais e clínicas particulares. Ora, o fenômeno (que não é exclusivo do Rio) reflete, de forma incontestável, o crescente desequilíbrio econômico-financeiro que o sistema de saúde suplementar tem suportado, resultado da ausência de políticas claras voltadas para o seu desenvolvimento.

Não há dúvida de que, num mercado livre e competitivo, fechamento e abertura de instituições fazem parte do jogo, e podem até ser benéficos para o consumidor. Mas nesse caso trata-se de um problema sistêmico, ocasionado justamente pela ausência de regras mais livres de mercado, capazes de promover a competitividade e a eficiência a ela associada.

O segundo aspecto negativo está relacionado a uma dolorosa conseqüência ¿ o fato de a redução de leitos privados potencializar um aumento da sobrecarga da rede pública do Rio, que já está há quase dois anos em verdadeiro colapso.

Parece claro que o estrangulamento do setor privado, no Rio e no restante do país, afeta diretamente o setor público, agravando a sua própria crise. Exatamente por esta razão, as questões cruciais do setor merecem ser vistas em conjunto, em análises que abarquem ambos os segmentos ¿ o público e o privado ¿ em prol da população. O sistema suplementar e o SUS devem ser vistos como aliados na busca de melhores ofertas de serviços à sociedade.

Por isso é de se estranhar o fato de governos, órgãos reguladores e mesmo especialistas no assunto ainda não terem se dedicado com total prioridade à tarefa de discutir a introdução de mecanismos que garantam sobrevivência e fortalecimento econômico-financeiro do sistema suplementar, para facilitar o acesso de novas parcelas da população aos planos de saúde, desafogando o combalido SUS.

O sistema suplementar atende hoje a cerca de 37 milhões de brasileiros, mas poderia alcançar muitos outros se houvesse efetiva flexibilização das regras que disciplinam os planos, ampliando o que tecnicamente se chama ¿acessibilidade à saúde¿. Trata-se, sem dúvida, de tarefa urgente, prioritária, antes que ambos os sistemas ¿ o público e o privado ¿ sofram falência múltipla de seus órgãos, deixando a já sofrida população, principalmente a de baixa renda, totalmente desassistida.

PAULO ROMANO é diretor da Casa de Saúde Santa Lúcia.