Título: A chave política
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/07/2006, O GLOBO, p. 2

¿Coalizão, programa, reforma política.¿ Em nota para consumo interno do PT, o ministro Tarso Genro destacou esses três pontos como fundamentais num eventual segundo governo Lula. A verdade é que essas são exigências colocadas para o próximo governo, seja quem for o presidente eleito. Estamos vivendo a exaustão do modelo político que produzimos na transição.

Por falta de reformas políticas, lá está o México com um milhão de pessoas nas ruas contestando a eleição de Felipe Calderón. A adoção do sistema de dois turnos nas eleições teria evitado este drama. E cá estamos nós, com um sistema incapaz de produzir respostas satisfatórias, a ponto de ter se tornado politicamente impraticável o que parece tão óbvio, a soma de esforços entre União e estados (não apenas o de São Paulo) para enfrentar o crime que voltou a atacar, com abuso e terror.

O sistema que esboçamos na transição produziu uma Constituição anacrônica e detalhista e juntou os trapos de antigas instituições e regras vivem sendo alteradas. Ao bipartidarismo, reagimos com o multipartidarismo permissivo, que dificulta a construção de maiorias para governar.

Tal como o Brasil, a Espanha saiu de uma ditadura mas fez uma transição pactuada e erigiu um sistema que lhe tem garantido estabilidade e progresso. No ano passado, a Espanha cresceu duas vezes a média da União Européia. Na semana passada, com outros jornalistas brasileiros, participei de seminário em Madri, no âmbito do projeto Aliança Brasil-Espanha, apoiado pela Telefônica. Comparações inevitáveis deixaram isso bem claro: se não fizermos as mudanças políticas, vamos empacar.

Dois dos expositores foram artífices da transição espanhola: o deputado Miguel Ángel Cortés, porta-voz adjunto do Partido Popular (PP) no Parlamento, e o deputado Alfonso Guerra, do PSOE, que foi vice-primeiro-ministro nos dois governos de Felipe González. Ambos participaram, depois da morte de Franco, das negociações do pacto constitucional, que produziu as regras fundamentais do sistema político, com destaque para a Lei Eleitoral.

No Brasil, fala-se mais no Pacto de Moncloa (acordo entre empresários e sindicatos para garantir a retomada da produção), mas os fundamentos políticos é que vêm garantindo ao país ¿seus melhores 30 anos dos últimos 300 anos¿, no dizer de Guerra. Nestes 30 anos, PSOE e PP têm se alternado no governo, com inflexões ora à esquerda, ora à direita, com suas batalhas e enfrentamentos, mas sem atentar contra os fundamentos acordados lá atrás. Nosso consenso, o único, praticamente, até hoje, é contra a inflação. Estes dois adversários históricos, falando separadamente, não discrepam uma vírgula no relato da transição e na defesa do modelo que ajudaram a erigir, com regras em quase tudo opostas às nossas. Exemplos:

1. Partidos: na transição, todos puderam se organizar. Chegou a haver uma miríade de partidos. Ainda há os pequenos, mas PSOE e PP acabaram tendo, juntos, mais de 90% das cadeiras na Câmara. Partido que não faz 5% dos votos numa província não elege deputados ali.

2. Eleições parlamentares: por listas fechadas e com financiamento exclusivamente público de campanhas. Voto nominal-personalista, como o nosso, e com financiamento privado, dizem os dois, leva à indisciplina e à infidelidade, logo à instabilidade, e também à corrupção. As campanhas duram 15 dias e a gratuidade da propaganda é só na TV pública.

3. Reformas constitucionais: por 2/3 de votos (em alguns casos por 3/5), mas sujeitas a confirmação por nova legislatura a ser eleita em seguida. Até hoje, só uma emenda foi necessária, e, assim, aprovada.

4. Orçamento: o Congresso emenda e a execução é obrigatória, evitando que o Executivo use as emendas como moeda para aliciar deputados. Mas aprová-las também não é uma festa, como aqui.

5. Cargos comissionados: pouquíssimos. Cada ministro pode nomear uma meia dúzia de auxiliares. Mas pode recrutar, dentro do serviço público, outros assessores de sua confiança. Os espanhóis se espantam ao saber que aqui existem mais de 19 mil cargos federais de livre nomeação.

A lista das diferenças não caberia aqui, mas essas poucas dão razão a Tarso, para quem, sem reforma política, ¿a nação estará bloqueada¿ por mais quatro anos. Sem coalizão, o PT não governará, os outros também não. E sem um programa claro, pode-se formar uma ¿base¿, à custa de cargos, emendas ou mensalão. Não uma coalizão.

Alfonso Guerra, que bem conhece o Brasil, arrisca: ¿ Parece-me que vocês têm, além de muitos partidos, dois maiores que tentam se aniquilar. Disso resultam governos de anulação recíproca. É muito difícil avançar assim.

HÁ TUCANOS e pefelistas acreditando em efeitos positivos da insinuação de que o PT teria vínculos com a organização criminosa que atua nos presídios paulistas. Há petistas acreditando que eles vão se dar mal, que a todos parecerá estarem tentando tirar o corpo fora depois de 12 anos governando o estado. Mas há também o direito dos eleitores à verdade. Isso é assunto grave demais para ficar assim no ar.

NÃO HÁ MESMO nenhum perigo, como já dizia o deputado Ulysses Guimarães, de uma legislatura da Câmara ser melhor que a anterior. Pelo menos com as regras atuais. O deputado Moreira Franco, dizendo-se desencantado, desistiu de renovar o mandato. Outro que fez o mesmo foi Xico Graziano (PSDB-SP).