Título: FUI PARA CIMA E DEI AS PAULADAS¿
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 18/07/2006, O País, p. 3

Daniel confessa o assassinato dos Richthofen mas acusa Suzane, que acusa Daniel

No primeiro dia de julgamento, os três réus acusados do assassinato de Marísia e Manfred von Richthofen travaram uma guerra de versões no plenário do 1º Tribunal do Júri, em São Paulo. Três anos e meio depois de confessar o assassinato, num plano articulado juntamente com Suzane von Richthofen, filha do casal, Daniel Cravinhos ontem procurou acusar sua ex-namorada de ser a mentora do crime. Além disso, tentou passar aos jurados a idéia de que a família Richthofen era completamente desestruturada. Daniel chegou a dizer que o pai de Suzane a molestava sexualmente e que a mãe a agredia.

Suzane, por sua vez, seguindo à risca as orientações dos advogados, também acusou o ex-namorado de ter planejado o crime e tentou mostrar que era dominada por Daniel, que a teria induzido a participar do crime. Ela disse que tinha bom relacionamento com a família antes de conhecer Daniel e alegou no dia do crime estava ¿atordoada¿ de tanto fumar maconha, vício no qual foi iniciada pelo ex-namorado. Neste ponto, ela também contradisse a versão de Daniel, que contou ao juiz que Suzane usava drogas antes de conhecê-lo.

Suzane disse também que perdeu a virgindade com Daniel, por quem era apaixonada e, por isso, foi induzida por ele a participar do crime. Ela negou que tenha sido molestada sexualmente pelo pai, como disse Daniel:

¿ Para mim, era Deus no céu e o Daniel na terra. No dia do crime, ele me fez fumar maconha, muito, muito, cheirar tinner, cheirar cola. Eu estava atordoada. Então, eu falava dos meus pais e ele dizia que tínhamos de matar os dois. E tem que ser hoje, me dizia o Daniel ¿ disse Suzane aos jurados.

Na tentativa de incriminar o ex-namorado, Suzane disse que se afastou da mãe após iniciar o relacionamento com Daniel, e que faltou a algumas aulas no colégio e no cursinho para encontrá-lo. Ela afirmou que era obrigada por ele a mentir para mãe. A jovem afirmou ainda que Daniel exigia que ela pagasse contas como a prestação do carro e a reforma no quarto. Ela disse que pagava as viagens que fazia escondido dos pais com o ex-namorado. Suzane repetiu que apenas obedecia a Daniel e que ele sempre tentava jogá-la contra os pais. Segundo ela, Daniel queria a herança de seus pais, avaliada em R$2 milhões.

Acusado tenta proteger o irmão

Ela disse que depois do crime, os irmãos Cravinhos a levaram de volta para casa e foi orientada por Daniel a chegar em casa junto com o irmão Andreas, constatar que os pais estavam mortos e ligar para a polícia.

¿ Daniel me orientou a chamar a polícia, dizer que foi assalto. Eu gostava tanto dele que um dia depois do crime ainda queria dormir na casa dele. Só não fui porque um tio não deixou ¿ garantiu Suzane.

Ao mesmo tempo que acusou por várias vezes Suzane de ser mentora do duplo assassinato, Daniel voltou atrás ao falar sobre a participação de seu irmão, Christian. Mesmo após ter confessado o crime ¿ inclusive em reconstituição policial ¿ Cristian agora foi inocentado por Daniel, que afirmou que o irmão não deu golpes no casal.

Cristian Cravinhos mudou a primeira versão para o assassinato. Desta vez, ele negou ter matado Marísia von Richthofen, mãe de Suzane, confirmando a versão dada pelo irmão Daniel, em depoimento anterior ao dele. Cristian disse que decidiu assumir a culpa pela morte de Marísia para livrar o irmão Daniel da acusação de duplo homicídio. Ele contou que na hora de matar Manfred e Marísia ficou paralisado.

¿ Estava combinado que o Daniel ia para cima do Manfred e eu da Marísia, mas na hora eu travei e fiquei perto da janela. O Daniel acabou dando as pauladas nos dois ¿ disse Cristian, ao juiz e aos sete jurados.

Em depoimento de três horas, Daniel Cravinhos, o ex-namorado de Suzane, narrou detalhes dos dramas familiares que ela teria contado. Segundo ele, o pai da jovem tinha tentado estuprá-la quando ela era criança e costumava agredi-la. Manfred, segundo Daniel, bebia muito. Ele disse que várias vezes Suzane brigava com os pais porque Marísia teria um caso extraconjungal e Manfred, uma amante.

Daniel foi o primeiro a falar ao juiz e aos jurados, em depoimento marcado principalmente pela frieza como contou o que aconteceu na mansão dos Richthofen na noite de 31 de outubro de 2002. Assistido pelos seus pais, Astrogildo e Nádia Cravinhos, que sentaram-se na segunda fila do plenário, Daniel abriu seu depoimento com a tentativa de livrar o irmão da acusação de que participou das mortes.

¿ Ela entrou primeiro (na casa), depois abriu a garagem para nós. Fomos até as escadas e esperamos ela acender a luz do hall. Subimos então para fazer o que ela mais queria. Só que o meu irmão passou mal e fui sozinho para cima do casal. Ele (Christian) ficou parado perto da janela ¿ disse Daniel, afirmando que o irmão não atacou nenhum dois.

Indagado em seguida pelo juiz se Christian realmente não tinha participado dos ataques, alegou:

¿ Não, fiz tudo sozinho.

Daniel contou que Christian havia assumido a autoria do crime durante a reconstituição do caso logo após o bárbaro crime apenas para diminuir a sua responsabilidade no assassinato do casal Richthofen.

¿ Ele só queria me ajudar e disse que também assumiria os ataques só pra que eu não respondesse por tudo sozinho, mas não acho justo.

Em seguida, sem que o juiz fizesse qualquer pergunta, Daniel contou com detalhes o que fez no quarto.

¿ Primeiro fui para cima do Manfred e dei as pauladas. A Marísia não acordou, só se mexeu. Então fui para o outro lado da cama e bati nela até matar. Não sabia o que estava acontecendo, fui fazendo sem noção de nada. Depois, ajoelhei no quarto e comecei a chorar e a rezar. Não acreditava no que tinha acabado de fazer ¿ contou Daniel, sentado de frente para o juiz, com as mãos algemadas, usando calça jeans, tênis Nike e casaco de moleton (o juiz autorizou a não usarem no julgamento as roupas de presidiários).

Indagado sobre quantas vezes atingiu cada vítima, relatou:

¿ Acho que dei umas quatro pauladas em cada um, mas não tenho certeza.