Título: SOB SUSPEITA
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 18/07/2006, O País, p. 4

Diante do escândalo dos sanguessugas, que, a seu ver, desmoraliza o atual Congresso e coloca em risco a credibilidade do Congresso a ser eleito este ano, o deputado Miro Teixeira, líder do PDT na Câmara, encaminha hoje ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma consulta ¿com o claro objetivo de impedir a posse de eleitos contra os quais haja irrefutável prova de corrupção, como demonstra a realidade que vivemos¿. Miro ressalta que o próximo Congresso ¿poderia iniciar a legislatura com um quinto de seus representantes comprovadamente responsabilizados por crime contra a administração pública¿.

As inelegibilidades, previstas na Lei Complementar nº 64, dependem do trânsito em julgado de decisões judiciais. ¿Por aí, estamos obrigados a assistir à eleição e posse de criminosos, não nos restando senão os protestos indignados de sempre¿, comenta Miro. A impugnação da diplomação também se tem revelado ineficaz e, após a posse, o eleito muito dificilmente é removido do mandato.

Na interpretação de Miro, o artigo 14 da Constituição, em seu parágrafo 10, garante que não tomará posse o eleito contra quem haja provas de abuso de corrupção. ¿É o que basta¿, afirma o deputado em sua consulta: ¿Dispensada está a existência de trânsito em julgado de qualquer outra decisão judicial. Trata-se de ação autônoma, de processamento próprio, para o qual são bastantes as provas do ilícito (...). E elas existem em quantidade, em poder da Justiça¿.

Miro lembra em sua consulta que há urgência dos esclarecimentos porque a opinião pública ¿está na condição de refém de artifícios legais que garantem a impunidade¿. O deputado vai mandar também uma petição ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Segundo ele, ¿a emergência não nos afasta da lei, mas nos exige agilidade assemelhada à dos fora-da-lei¿.

Se o TSE ou a Procuradoria Geral da República aceitarem a tese do deputado Miro Teixeira, os parlamentares envolvidos nesses e em outros escândalos comprovadamente poderão até concorrer às eleições, mas não poderão tomar posse.

A revelação do deputado Fernando Gabeira de que cerca de cem parlamentares e ex-parlamentares podem estar envolvidos com a máfia que se utilizava das emendas no orçamento para superfaturar a compra de ambulâncias está transformando a CPI dos Sanguessugas na grande estrela da temporada de investigações internas do Congresso este ano.

O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), membro da CPI, define: ¿Este é um caso de proporções inéditas de corrupção envolvendo o Legislativo e prefeituras, mas acho que cresce também sobre o Executivo¿. A CPI teve, segundo Jungmann, ¿uma estupenda sorte de tropeçar com um caminhão de provas devido a um trabalho brilhante do Ministério Público Federal de Mato Grosso e, sobretudo, da Justiça Federal com o juiz Jefferson Schneider¿.

Um trabalho paciente, de dois anos, feito na calada, discretamente, que reuniu provas e comprovações ¿efetivamente muito consistentes¿, na avaliação dos que tiveram acesso aos documentos. O empresário Luiz Antônio Vedoin, que está no programa de delação premiada, tem uma memória prodigiosa e comprovante ¿de quase tudo¿.

Jungmann revela que o juiz disse aos membros da CPI que cerca de 50 a 60 deputados já estão comprovadamente envolvidos, sendo preciso agora definir os diversos graus de envolvimento desses 90 a 100 deputados e ex-deputados.

Essa CPI tem a característica de não ter disputa política, não há ninguém na CPI querendo acusar o governo. ¿Quando tentaram trazer os ministros para depor nós derrubamos logo¿, lembra Jungmann. A CPI , segundo ele, tem um certo centro, que vai ser submetido a fortes tensões, ¿mas tem uma noção muito clara de que não deve trazer as eleições para dentro dela¿.

As dimensões desse caso abarcam, sobretudo, o ¿baixo clero¿ do Congresso, principalmente do Estado do Rio e Mato Grosso, e envolve muitos deputados evangélicos. As investigações mostram que a Planam é a primeira empresa no Brasil organizada para corrupção no Orçamento, foi criada para isso, ¿para o varejo, para o microcrédito, o camelô da corrupção¿, na definição de Jungmann.

O salto dos negócios foi em 2002, com o caixa dois para a eleição. A Planam é uma empresa com 70 funcionários, com atividade em 19 estados, que montou 19 empresas-fantasmas para pequenos golpes de R$2 mil, R$3 mil. O deputado Nilton Capixaba, do PTB, por exemplo, usava 96% de suas emendas para os negócios com a Planam.

O que está havendo, anos depois, é o desdobramento do escândalo dos anões do Orçamento, e Raul Jungmann acha que a solução seria ¿acabar com as emendas parlamentares¿, mas admite que não há consenso sobre isso.