Título: POR UM FIO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 20/07/2006, O País, p. 4

A situação eleitoral de Lula revelada pela pesquisa Datafolha é paradoxal. Ou vence no primeiro turno ou terá que enfrentar uma disputa acirradíssima no segundo turno, no qual a diferença dele para o candidato tucano, Geraldo Alckmin, que já foi de 17 pontos percentuais, hoje é de apenas dez pontos, que significam na verdade cinco pontos em uma disputa direta. Embora tenha, no momento, mais votos válidos nas pesquisas do que a votação que obteve no primeiro turno de 2002, e existam menos candidatos fortes na disputa, sua situação pode ficar mais ameaçada. Por isso, não faz sentido comparar a eleição deste ano com a de 1998, quando Fernando Henrique concorreu à reeleição e venceu no primeiro turno.

Naquela ocasião, havia um projeto econômico muito popular em execução, e Lula era o candidato que se opunha a ele e representava a ameaça à continuidade. Fernando Henrique tinha 46% de ótimo e bom na avaliação do governo, e venceu com 53% dos votos válidos. Hoje, Lula tem 38% de ótimo e bom, e 50% de votos válidos, o que tecnicamente é uma distorção. Além do mais, hoje, a ameaça à continuidade da política econômica é representada pela candidatura da senadora Heloísa Helena, que vem ganhando pontos nas pesquisas devido a um segmento do eleitorado que continua querendo as mudanças que Lula prometeu e não entregou.

A senadora do PSOL chegou aos dois dígitos na pesquisa Datafolha e pode crescer ainda mais, sendo fator decisivo para a realização de um segundo turno. Ela e o senador Cristovam Buarque, candidato do PDT a presidente, ambos oriundos do PT, devem ser fundamentais para tirar votos de Lula nesse primeiro turno.

Mesmo que venha a tirar votos de Alckmin também, como acontece no Sul ¿ Alckmin caiu sete pontos e empata com Lula em 31%, enquanto Heloísa Helena cresceu seis pontos, chegando a 13% ¿ estará ajudando a levar a disputa para o segundo turno, sendo improvável que se revele uma concorrente capaz de ser uma alternativa oposicionista mais viável que Alckmin.

O crescimento da candidata do PSOL é o mais impressionante, mas é também, pela pesquisa Datafolha, o mais volátil. Entre seus eleitores no momento, nada menos que 46% se dizem passíveis de mudança de voto ainda no decorrer da campanha, contra 24% dos eleitores de Lula e 32% dos de Alckmin.

Nessa mudança de votos, quem sai beneficiado claramente é o candidato tucano: nada menos que 46% dos eleitores indecisos de Lula dizem que votariam em Alckmin se mudassem de idéia. E 39% dos eleitores não firmes de Heloísa Helena também admitem votar em Alckmin. Ente os eleitores indecisos de Alckmin, metade prefere Lula e a outra metade vai para Heloísa Helena.

Essa tendência estaria indicando que a maioria dos eleitores de Heloísa Helena nesse momento o são mais por contestação ao governo do que por aderirem ao ideário do PSOL. O eleitorado que quer mudanças drásticas na economia é francamente minoritário hoje em dia, graças ao sucesso do programa econômico e dos projetos assistencialistas, que tiveram continuidade e foram aprofundados em alguns casos no governo Lula. Discutir queda de juros ou carga tributária não chega a ser uma mudança de programa, e a divergência entre Lula e Alckmin nesse campo é mais sobre eficiência de gestão.

Por isso o principal candidato oposicionista, Geraldo Alckmin, não deixa dúvidas de que continuará com o Bolsa-Família, que identifica como um programa iniciado na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, a oposição de todos os matizes procura convencer o eleitorado de que a ameaça que existe é a da corrupção e do aparelhamento do estado por um grupo político autoritário e com tendências antidemocráticas.

A relação dos parlamentares acusados no escândalo dos sanguessugas mostra que a maioria é dos partidos anteriormente envolvidos no mensalão, com destaque para o PTB, o PP e o PL, todos da base política do governo. Essa reedição dos escândalos no Congresso em plena campanha eleitoral beneficia sem dúvida o candidato Geraldo Alckmin, que terá campo aberto para reviver as denúncias do mensalão durante a campanha gratuita de rádio e televisão.

Mas, como existem três deputados do PSDB e quatro do PFL na relação, se não forem punidos imediatamente, tucanos e pefelistas incorrerão no mesmo erro de quando o senador tucano Eduardo Azeredo e o deputado pefelista Robert Brant, envolvidos no mensalão, foram protegidos: todos os partidos serão igualados na culpabilidade.

O horário eleitoral gratuito para rádio e televisão será fundamental para organizar essa massa de eleitores que ainda oscila entre dois ou mesmo três candidatos. Na eleição de 2002, a mudança na intenção de voto após o início da propaganda gratuita foi radical, embora Lula tenha mantido sempre a dianteira no primeiro turno, ao contrário do que escrevi ontem. Em fevereiro de 2002, Lula aparecia com 26% e Roseana com 23%, em empate técnico. E as projeções de segundo turno a davam como vencedora contra Lula.

Uma semana antes da propaganda gratuita de televisão, com Roseana já fora da disputa, Lula tinha 34% e Ciro 27%, com as projeções de então indicando que Ciro venceria a eleição se fosse para o segundo turno com Lula. De 20 de agosto a 5 de outubro de 2002, durante o programa eleitoral gratuito, Lula cresceu 11 pontos percentuais, Serra outros 8 pontos, Garotinho 4 pontos, enquanto Ciro Gomes teve uma queda de nada menos que 18 pontos.