Título: TRIÂNGULO DAS BERMUDAS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 21/07/2006, O País, p. 4

O maior objetivo hoje da candidatura de Geraldo Alckmin é firmar sua posição nas regiões Sul e Sudeste do país, onde está tecnicamente empatado com Lula e de onde tem que tirar os votos necessários para contrabalançar a enorme diferença de Lula abriu sobre ele no Nordeste. O desafio maior é ligar Lula a seu partido, o PT, transferindo para o presidente a rejeição que seu partido tem, especialmente na região Sudeste. No chamado Triângulo das Bermudas, que reúne os três principais estados brasileiros e quase metade do eleitorado - São Paulo lidera, com 22,27% dos votantes, seguido por Minas Gerais (10,86%) e Rio de Janeiro (8,65%) -, seria preciso transformar em seus os votos que faltam ao PT, mas continuam indo para Lula.

Na última pesquisa Datafolha, Alckmin aparece empatado com Lula no Sul do país, cada um com 31% das intenções de voto, e no Sudeste, com 38% a 35% a favor de Lula. Nos três principais estados do Sudeste, a situação é amplamente favorável à oposição estadual ao PT, mas Lula ainda vence em dois deles no nível nacional. Apenas em São Paulo, onde Serra vence no primeiro turno, Alckmin consegue boa dianteira, abrindo 14 pontos sobre Lula.

Em Minas, onde Aécio Neves é franco favorito, atingindo cerca de 70% das intenções de voto, e o candidato do PT Nilmário Miranda inexiste, Lula vence por 45% a 26%. Com a adesão do ex-presidente Itamar Franco, que entra na campanha pelas mãos de Aécio, esse número pode mudar. E no Rio de Janeiro, onde o PMDB de Garotinho tem uma vitória tranqüila até o momento com Sérgio Cabral, e o PT tem apenas 1% nas pesquisas, Lula vence Alckmin por 40% a 22%. O grupo de Cesar Maia garante que Alckmin atingirá pelo menos entre 30% e 35% no estado.

Lula perde para a soma de seus adversários em todas as regiões, com exceção do Nordeste, e empata no Norte-Centro-Oeste: Sudeste: Lula 38% x 49%; Sul: Lula 31% x 47%/ NO-CO: Lula 45% x 42%/ Nordeste: Lula 63% x 25%. No Triângulo das Bermudas, os resultados indicam segundo turno no Rio e em Minas, e derrota de Lula no primeiro turno em São Paulo: Rio: Lula 40% x 42%; SP: Lula 32% x 55%; MG: Lula 45% x 40%.

A tentativa de aproximação do PSDB com o grupo de Garotinho no Rio poderia ter conseqüências eleitorais sérias, porque o grande animador da candidatura Geraldo Alckmin dentro do PFL é o prefeito do Rio Cesar Maia, para o bem e para o mal.

Em termos de voto, por enquanto, não está agregando muito à candidatura de Alckmin. Lula ainda vence com facilidade no Rio, e por isso esses movimentos erráticos do PSDB que, no entanto, parecem desnecessários. Garotinho está deslocado das campanhas, e por isso tenta se inserir na de Alckmin. Ele não tem condições de apoiar Lula, pois foi alijado pelo grupo governista do PMDB.

Na disputa estadual, o candidato favorito, Sérgio Cabral, procura se distanciar do grupo de Garotinho dizendo que é candidato do PMDB. A última pesquisa Datafolha dá 41% a Sérgio Cabral, deixando-o a um passo da vitória no primeiro turno. O PFL, no entanto, tem pesquisas que indicariam que o número do Sérgio Cabral é por volta de 31%, podendo chegar a 35%; Crivella está na faixa de 20% e Denise Frossard entre 10% e 13%. Como metade dos eleitores de Sérgio Cabral na capital é contra a governadora Rosinha Garotinho, espera-se realinhamento de votos.

Na cidade do Rio, 54% rejeitam a governadora, e desses 30% apóiam Sérgio Cabral. Ele tem, portanto, cerca de 15% na capital na faixa de perda, e por isso tenta se desvencilhar do casal no Rio, em Niterói, na classe média do estado, e se vincular a eles nas áreas em que Garotinho ainda tem força, especialmente a Baixada, para dividir os votos com o candidato evangélico bispo Crivella.

O ex-presidente Fernando Henrique mandou um recado ontem, através do candidato a senador pelo PSDB Ronaldo Cezar Coelho, de que não patrocina nenhuma aproximação com Garotinho. O grupo do prefeito Cesar Maia reage com agressividade a essa aproximação, que o prefeito chama de "o beijo da morte". O deputado federal Rodrigo Maia, filho do prefeito, diz que Garotinho sustenta sua votação fora do estado com uma cadeia de 400 rádios evangélicas pelo país. E pergunta: "Como vamos sustentar essa cadeia numa campanha cujo slogan é Brasil decente?"

Na análise do grupo de Cesar, Garotinho hoje é fraco no interior, ainda é forte na Baixada, e está em estado terminal na capital. A avaliação é de que o presidente do PMDB, Michel Temer, fez esse movimento para ganhar corpo na coordenação da campanha de Alckmin. Também interessa a Garotinho tentar ganhar importância numa campanha presidencial, já que ficou fora do jogo eleitoral de 2006.

Há uma diferença entre os deputados que receberam dinheiro do valerioduto para apoiar o governo mudando de partido e votando, e os que receberam dinheiro de caixa dois para pagar dívidas de campanha. Os mensaleiros são criminosos comuns, os que se utilizaram do caixa 2 cometeram crime eleitoral. É o caso do senador tucano Eduardo Azeredo e do deputado pefelista Roberto Brant, que identifiquei ontem erradamente como mensaleiros. Não existe nenhum petista entre os mensaleiros, simplesmente porque era o governo quem comprava os votos.

Os petistas relacionados usaram mesmo o valerioduto como caixa 2 de campanha, e quiseram nos convencer de que toda a movimentação de dinheiro era caixa 2, "o que acontece normalmente no Brasil", como justificou Lula. E na relação dos sanguessugas apareceu o primeiro petista, o deputado João Grandão (MS), jogando por terra a suposta prova de honradez da sigla. O escândalo dos sanguessugas tem um aspecto particularmente perverso: baseou-se apenas em dinheiro do orçamento público.