Título: Lula quer recuperar influência no Mercosul
Autor: Eliane Oliveira/Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 21/07/2006, Economia, p. 33

Governo não vai interferir nas discussões com a Bolívia e exige que Chávez informe reservas de gás para investir

CÓRDOBA (Argentina). Ao desembarcar ontem em Córdoba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a negociação sobre os preços do gás natural está sendo tratada exclusivamente pela Petrobras. Em um encontro bilateral que terá hoje com seu colega boliviano, Evo Morales, Lula deixará claro que o governo brasileiro não vai interferir nessas negociações. O mesmo vale para as operações que o BNDES fará na Bolívia para financiar obras de infra-estrutura.

- Vou conversar com o Evo Morales sobre o que ele quiser falar. Mas quem negocia o gás é a Petrobras - disse Lula.

Para o presidente brasileiro, a questão energética é um problema que tem de ser discutido por todos os países da região. Segundo ele, o Brasil já está fazendo a sua parte fornecendo energia para o Uruguai:

- O problema envolve Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai e Bolívia, que não faz parte do Mercosul. O Brasil está fazendo o que é possível. O que precisamos é dar tranqüilidade aos países que têm deficiência no suprimento de energia.

As negociações entre a Petrobras e a estatal boliviana YPFB começaram em maio, quando Morales nacionalizou as reservas de gás. A Petrobras não admite reajuste fora do estabelecido em contrato, mas a Bolívia insiste em aumentar os preços. Já o BNDES negocia dois empréstimos com o país: um, de US$25 milhões, para a compra de 300 tratores; outro, sem montante definido, para a construção de uma rodovia.

Com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, Lula vai reforçar a necessidade de a Venezuela revelar o volume de suas reservas de gás natural. O governo brasileiro condiciona essa informação à sua participação no gasoduto da América do Sul, que inclui ainda Argentina, Bolívia e Venezuela.

- Sem sabermos quais são as reservas venezuelanas, não há como ter gasoduto - disse uma fonte do Planalto.

Brasil não quer mudar cálculo da dívida paraguaia

Lula também falará com Chávez sobre a ajuda aos sócios menores do Mercosul. A Venezuela já se disse disposta a aplicar recursos no fundo criado para corrigir assimetrias econômicas no bloco.

Lula se reuniu ontem com o presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, para tratar da dívida do país com o Tesouro brasileiro, referente à represa de Itaipu, no valor de US$19 bilhões. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, conversou com autoridades paraguaias, mas o Brasil não está disposto a, como quer o Paraguai, tirar do cálculo a inflação dos EUA (estimada em 4,5% ao ano) e, ao mesmo tempo, manter a tarifa no nível atual ou até reajustá-la.

- Vamos buscar uma maneira de compensar o Paraguai, mas não da maneira que o governo paraguaio espera - disse um negociador brasileiro.

Ainda sobre energia, Lula vai conversar hoje com o presidente argentino, Néstor Kirchner, sobre outra reivindicação paraguaia: o perdão de parte de uma dívida de cerca de US$12 bilhões, relativa à construção da usina hidrelétrica de Yacyretá, que ambos os países compartilham no Paraná. Lula vai sugerir a Kirchner que atenda ao pedido do Paraguai.

A ministra da Economia argentina, Felisa Miceli, propôs ontem que os membros do Mercosul negociem juntos com organismos multilaterais de crédito, especialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI). A proposta foi bem recebida pelo governo brasileiro. A Argentina também sugeriu criar um banco de desenvolvimento, uma espécie de BNDES do Mercosul. Para Mantega, porém, seria mais viável uma agência de fomento.

Guinada à esquerda

Cuba deve fechar hoje acordo com bloco

CÓRDOBA (Argentina). O Mercosul ganha hoje uma nova roupagem política. O bloco, com o ingresso da Venezuela, a participação ativa da Bolívia e a disposição de Cuba de ser mais um associado, dá uma guinada para a esquerda sem precedentes em sua história, reforçando o perfil adquirido com a eleição dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, e Tabaré Vázquez, em 2005. Depois de muita especulação, o governo argentino confirmou ontem que o presidente cubano, Fidel Castro, participará da cúpula, na qual deve ser fechado um acordo com o Mercosul.

Parceiro estratégico dos EUA, o Brasil pode ficar em posição delicada. A diplomacia brasileira terá de convencer os americanos de que agregar a esquerda rebelde da região é uma forma de discipliná-la, ou acabará o sonho de um acordo de livre comércio com os EUA. Mas um graduado negociador brasileiro acha que, com as discussões da Alca emperradas e a dificuldade cada vez para fechar um acordo na OMC, o Mercosul pode se voltar para China e Índia. (E.O. e J.F.)