Título: Cerol na própria carne
Autor: Ana Claúdia Costa e Antonio Werneck
Fonte: O Globo, 22/07/2006, O País, p. 3

PF prende seis delegados da PF, entre eles dois ex-superintendentes no Rio, e mais 11 pessoas

Numa das maiores ações já realizadas no Rio para combater fraudes no recolhimento de impostos, sonegação fiscal, contrabando e tráfico de influência, oito policiais federais ¿ sendo seis delegados, entre os quais dois ex-superintendentes da Polícia Federal no Rio, Jairo Kulmann e José Milton Rodrigues ¿ foram presos ontem de manhã na Operação Cerol, feita pela Diretoria de Inteligência Policial da PF de Brasília, com apoio de 240 policiais de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Além dos delegados foram presos um agente e um escrivão da Polícia Federal, quatro advogados, um fiscal do INSS do Rio e quatro empresários ¿ entre eles o dono da empresa de vigilância Vigban, Renato de Paula Almeida, e o diretor da cervejaria Petrópolis (fabricante da Itaipava) Paulo Henrique Pedras.

Ao todo, 17 mandados de prisão e 45 de busca e apreensão ¿ expedidos pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara da Justiça Federal do Rio ¿ foram cumpridos no Rio e São Paulo. Entre os endereços vasculhados pela PF estavam a casa e o gabinete do representante da Interpol no Rio, delegado Roberto Prel, ex-diretor-executivo da PF, e o escritório do advogado Michel Assef, conhecido por ter entre seus clientes o Flamengo e vários jogadores de futebol.

Os presos, segundo o delegado Delci Carlos Teixeira, atual superintendente da PF no Rio, são acusados de corrupção, favorecimento, formação de quadrilha e descaminho (contrabando). O delegado disse ainda que o advogado Tarcísio de Figueiredo Pelúcio era o operador do esquema criminoso. Ele cooptava policiais federais para favorecer empresários e advogados no ¿cometimento de crimes contra a administração pública¿.

Carta alertava sobre devassa

Na casa de Pelúcio, na Tijuca, foram apreendidos US$30 mil (mais de R$60 mil) em dinheiro e um memorando da Delegacia de Combate aos Crimes Financeiros (Delefin) contendo toda a relação de linhas telefônicas interceptadas com autorização judicial na Operação Cerol. O superintendente também informou que foi encontrada ainda cópia de correspondência enviada pelo advogado Pelúcio a José Milton Rodrigues, alertando que haveria ¿uma devassa¿ na PF do Rio.

¿ Isso representa um fato extremamente grave. Revela que investigações importantes estavam sendo vazadas de dentro da Polícia Federal. Os telefones que constavam da relação eram exatamente os alvos das investigações. Ficamos bastante surpresos com o envolvimento do delegado José Milton no esquema. Ele tem mais de 30 anos de bons serviços prestados à Polícia Federal ¿ disse Delci Teixeira.

Ao comentar o resultado da operação ontem à tarde na sede da PF, na Praça Mauá, o atual superintendente no Rio disse que estava angustiado e surpreso com o número de policiais supostamente envolvidos.

¿ Apesar de todos eles terem direito a ampla defesa no caso, sem prejulgamentos, estamos mostrando que a Polícia Federal corta na própria carne ¿ disse Delci.

Parte dos delegados presos durante a operação teve em algum momento ligação com a Delegacia de Combate ao Crimes Previdenciários (Deleprev) da PF. Quatro já foram lotados lá. O delegado Mauro Montenegro, que atualmente chefiava a Delegacia da PF no aeroporto internacional, comandou a Deleprev há um ano e meio, exatamente quando as investigações começaram. O delegado Daniel Leite Brandão, lotado na Delefin, foi o chefe do Núcleo de Operações da Deleprev.

Preso investigador de deputados

O delegado Paulo Baltazar, chefe da Delefim e que também foi preso, era um dos responsáveis pela investigação contra 11 deputados estaduais ¿ incluindo Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) ¿ suspeitos de crimes contra a ordem financeira e de lavagem de dinheiro. O pedido de abertura de inquérito foi feito pelo procurador-chefe Celso de Albuquerque Silva, da Procuradoria Regional da República da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), depois de encontrar supostos indícios de crimes ao analisar extensa documentação enviada pela Receita Federal em novembro de 2005.

A Operação Cerol começou no início da manhã. Por volta das 6h equipes partiram para os alvos e de início prenderam o ex-superintendente José Milton Rodrigues. Policiais federais chegaram a vasculhar uma apartamento na Rua Sambaíba, no Alto Leblon, e outro na Praia de Botafogo, onde, segundo vizinhos, mora um casal de advogados. Toda a ação dos policiais foi coordenada pessoalmente pelo diretor executivo da Polícia Federal em Brasília, delegado Zulmar Pimentel.

Na tarde de ontem, o delegado José Milton Rodrigues deixou de cadeira de rodas a superintendência na Praça Mauá, onde estava preso e aguardava para depor na corregedoria. O delegado foi internado no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo.