Título: ACORDO COMERCIAL APROXIMA MERCOSUL DE CUBA
Autor: Eliane Oliveira e Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 22/07/2006, Economia, p. 31

Tratado é o primeiro do país com o bloco. Numa crítica a EUA e Europa, Lula afirma que acabou era colonial

CÓRDOBA, Argentina. A cúpula de presidentes do Mercosul foi marcada por um acordo histórico entre Cuba e os países do bloco, ajudando a integrar a nação caribenha, que sofre com um rígido bloqueio comercial liderado pelos EUA, ao mercado internacional. Desde 1961, os cubanos não assinam um tratado do gênero, à exceção dos que tinham com nações da extinta União Soviética.

O encontro teve ainda como pontos fortes o consenso de que é preciso ajudar as economias mais pobres do bloco e um recado dado pelo presidente Lula a americanos e europeus: os países da região deixaram para trás o papel de colônias das nações desenvolvidas.

¿ Hoje, quem quiser falar em Alca (Área de Livre Comércio das Américas) precisa falar primeiro com o Mercosul. Queremos construir acordos com todos os países do mundo e que nossa soberania seja respeitada. Há dois séculos deixamos de ser colônias e não desejamos voltar a ser colônias ¿ disse Lula, ao receber do argentino Néstor Kirchner a presidência pro tempore do bloco por seis meses.

Lula lembrou que, até pouco tempo, as prioridades dos países sul-americanos eram os EUA e a União Européia. Ele disse que o bloco está mudando a geografia comercial.

¿ Os ricos continuam ricos, mas dificilmente fazem uma reunião para discutir comércio sem considerar o Mercosul e sem levar em conta Índia, China e África do Sul.

O presidente de Cuba, Fidel Castro, foi a grande atração da cúpula. Após uma longa ausência em encontros multilaterais, Fidel prestigiou a assinatura do acordo, que prevê a abertura de comércio para três mil produtos, via a redução de tarifas.

Fidel vira grande estrela e causa constrangimento

Além disso, foram fixadas regras comuns de comércio internacional, como salvaguardas e medidas antidumping. Segundo os participantes do evento, o principal é que Cuba se aproximou mais, do ponto de vista político, da região.

Mas a presença de Castro também causou constrangimento. Ele protagonizou um bate-boca com um jornalista argentino, que perguntou sobre o caso de uma médica cubana que há anos pede autorização para visitar o filho na Argentina e sobre como será o futuro de Cuba após sua morte. Irritado, Fidel chamou o jornalista de ¿mercenário¿ sem responder às indagações.

Uruguai e Paraguai terão ajuda de outros sócios

O caso da médica cubana Hilda Molina também causou mal-estar entre Fidel e Kirchner, que entregou ao cubano carta pedindo flexibilidade ao governo.

Fidel, que em agosto fará 80 anos, fez um longo discurso na reunião presidencial. O presidente cubano assegurou que a entrada da Venezuela no Mercosul é um grande acontecimento; defendeu a produção de folha de coca na Bolívia; e disse que, juntos, os países do continente podem se transformar em uma potência energética num momento em que as reservas de petróleo estão se esgotando.

¿ Ninguém sabia que eu viria (à cúpula), nem eu mesmo. Às vezes me vejo obrigado a desinformar até mesmo meus amigos. Temos um vizinho (os EUA) que neste momento deve estar organizando atentados contra mim ¿ disse Fidel.

No encontro, os presidentes defenderam a ampliação do bloco. Após a incorporação da Venezuela, Lula e Kirchner defenderam a incorporação de outros países, como Bolívia e México. Perguntado pelos conflitos que poderiam surgir com a entrada da Venezuela, Lula disse que o bloco está pronto para negociar com o mundo.

¿ A China é um país comunista e tem excelentes relações com os EUA ¿ disse.

Kirchner convidou Bolívia e México para integrar o bloco.

¿ Nos sentimos felizes pelo convite ¿ disse o chanceler mexicano, Luís Ernesto Derbez.

Já o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, voltou a atacar o mercado financeiro internacional e o ¿imperialismo americano¿ e defendeu a integração na América do Sul.

Além da ampliação do bloco, a reunião destacou a necessidade de ajudar os sócios menores: Uruguai e Paraguai. Os presidentes frisaram a integração energética; a implementação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem); o aumento dos investimentos nos dois países; a integração de cadeias produtivas; e a proposta de criação do Banco de Desenvolvimento do Mercosul.