Título: Campanha negativa
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 23/07/2006, O GLOBO, p. 2

Havendo poucas dúvidas sobre a ocorrência de segundo turno na eleição presidencial, os aliados de Geraldo Alckmin acham que será inevitável recorrer a uma campanha fortemente negativa contra Lula para virarem o jogo. ¿Dá-lhe, Calderón!¿, diz sempre o prefeito Cesar Maia, mirando-se no exemplo da recente eleição mexicana.

Ao longo da campanha, o candidato de esquerda López Obrador, do PRD, manteve quase sempre uma vantagem de mais de dez pontos percentuais sobre o candidato governista do PAN, Felipe Calderón. Tal como Alckmin, era cobrado pela falta de carisma e tachado de conservador. Mas não mediu insultos, acusações e insinuações contra o adversário, que com seus erros facilitou-lhe a vida. Uma das acusações contra Obrador foi a de que era apoiado por Hugo Chávez, a quem se alinharia se fosse eleito. Na sexta-feira, na Argentina, na reunião do Mercosul, Lula ficou lívido quando Chávez defendeu sua reeleição. Aqui, tucanos e pefelistas fungaram de satisfação.

¿López Obrador é um perigo para o México¿, diziam anúncios de Calderón, que foram proibidos pelo Comitê Eleitoral, uma espécie de TSE independente. Obrador demorou a reagir e quando o fez foi para acusar o adversário de favorecer um cunhado com contratos petrolíferos quando era ministro de Fox. Denúncia negada, ficou por isso mesmo.

Tal como Lula até agora, Obrador cometeu o erro de falar apenas para os pobres, esquecendo a classe média. Como prefeito da cidade do México, tinha sua Bolsa-Família, uma ajuda mensal de 55 euros aos mais pobres, idosos, mães solteiras e deficientes. Prometeu adotá-la nacionalmente. Prometeu mundos e fundos, facilitando a acusação de que comprometeria a economia mexicana com seu populismo. Falou-se à farta no ¿perigo de mudar de rumo¿. A isso juntou-se a promessa de romper o acordo de livre comércio com os Estados Unidos, tirando o país do Nafta. E, para completar, cometeu o erro de faltar ao primeiro debate. Tudo isso permitiu a Calderón conquistar indecisos e ganhar por diferença inferior a 1%. O derrotado está pedindo a recontagem dos votos e já levou um milhão de pessoas às ruas. Anteontem seus seguidores fizeram dezenas de protestos à frente de empresas que teriam apoiado Calderón.

Depois da eleição, o escritor mexicano Carlos Fuentes resumiu: ¿A campanha do medo contra López Obrador funcionou¿. O cientistas político Fidel Flores, que é mexicano e pesquisador do Iuperj, tem a mesma opinião.

Na reunião do Conselho Político da campanha do tucano, na terça-feira, Cesar Maia voltou a defender que Alckmin ataque diretamente Lula, sobretudo no flanco ético. Em sua visão, Calderón virou o jogo porque não hesitou em desconstruir Obrador. Os tucanos preferem que no primeiro turno o PFL assuma a campanha negativa. Mas, no segundo, admitem que ela será inevitável.

No México, enquanto Obrador põe massas na rua pedindo a recontagem, o eleito fala em diálogo com o PRD, algo impossível neste momento. Terá que se valer do velho PRI para governar.

Embaixadora do México no Brasil até maio, Cecília Sotto, de passagem por Brasília, foi muito ouvida por políticos sobre o que se passou em seu país. Em sua avaliação, a campanha negativa é um instrumento eleitoral pernicioso em países com sistemas políticos imperfeitos e democracias em construção. Produz resultados eleitorais, mas pode comprometer seriamente a governabilidade.