Título: EM PLENA FACULDADE ELEITORAL
Autor: José Casado e Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 23/07/2006, O País, p. 3

Lula, com seus aliados, transforma universidades em nova moeda para atrair votos

Otelefone toca na Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação. Do outro lado da linha está o presidente da República, candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quer saber das providências sobre obras e administração das novas universidades e dos campi federais.

É rotineiro, conta o secretário Nelson Maculan. Principalmente, depois que o presidente-candidato visita algum campus universitário e volta ao Palácio do Planalto, em Brasília, com uma coletânea de reclamações de políticos regionais.

¿ O poder local quer nomear até o reitor ¿ ironiza Maculan.

O país tem 55 universidades federais e gasta no ensino superior dez vezes mais do que investe na educação básica (cerca de R$12 mil por estudante do nível superior e R$1.200 por aluno do ensino médio e do fundamental). As despesas com pessoal e custeio dessas unidades cresceram R$1,7 bilhão em 2005, aumento de 47% em relação ao ano anterior.

Ainda assim, o governo Lula decidiu criar 60 novos estabelecimentos universitários. Coincidência: os vestibulares para os 476 cursos oferecidos foram marcados para o período de junho a setembro, em plena temporada eleitoral.

São dez novas universidades: duas fundadas e oito desmembradas ou transformadas a partir de unidades existentes. Há outras duas ¿consolidadas¿ ¿ na conta da burocracia são aquelas instituídas na gestão Fernando Henrique, mas cuja existência deve-se à atual administração. Nos últimos 18 meses, Lula mandou criar, também, mais 48 campi em cidades do interior de 20 estados. Nesse período, gastou R$392 milhões na expansão do ensino universitário ¿ média de R$725 mil por dia.

Significa a incorporação de 3.605 novos professores e servidores administrativos na folha de pagamentos do Ministério da Educação ¿ ou seja, seis contratações por dia.

Congresso quer mais 68 federais

É fato político relevante num país onde o acesso à educação superior continua a ser uma aspiração generalizada, decorrente da percepção de que a desigualdade na educação é o fator mais associado à desigualdade de renda.

Quando Lula começou a lutar pela Presidência, há 17 anos, a maioria do eleitorado (61%) tinha nível baixo de escolaridade ¿ no máximo, o ciclo básico. Houve mudança expressiva nesse quadro, informa a Justiça Eleitoral: agora, o eleitor de baixa escolaridade é minoritário (36%); o segmento que cursou o ensino médio e o superior passou de 21% para 40%.

Os candidatos, claro, mudaram o foco das suas campanhas eleitorais. Voltam-se para a massa de eleitores com melhor nível educacional, entre os quais a percepção do diploma universitário equivale a um passaporte para a ascensão social.

Como o candidato Lula, deputados e senadores também vislumbraram a oportunidade na temporada prévia à campanha pela reeleição. E apresentaram na Câmara e no Senado projetos para criação de 68 novas universidades em 24 estados.

Assim, a campanha começou com uma nova moeda eleitoral em circulação: a oferta ao eleitorado de 128 novas escolas superiores, entre promessas do governo e do Congresso. Na média, cinco por estado.

¿ Governo e Congresso entraram numa espécie de orgasmo universitário. Todo mundo quer criar uma universidade pública, como se isso fosse resolver o problema educacional do Brasil ¿ critica o deputado Paulo Delgado (PT-MG), relator na Câmara do projeto de reforma do ensino superior.

Garantidas, por enquanto, só estão as seis dezenas de estabelecimentos de ensino superior que o presidente mandou construir. Isso porque a expansão da rede educacional é assunto de competência exclusiva do Executivo, conforme prevê a Constituição.

É dessas dez universidades e 48 campus no interior que o candidato Lula vai falar nos comícios e em propaganda no rádio e na televisão. Elas representam um aumento de 44.800 vagas entre 2006 e 2007.

Os projetos parlamentares para mais 68 universidades federais podem até ser aprovados, avisa o secretário de Educação Superior do MEC, mas qualquer proposta só sai do papel por decisão do governo.

¿ Fazer um projeto é fácil, mas e os recursos vêm de onde? ¿ ironiza Maculan.

Mas nada impede que os Sarney, por exemplo, divulguem em palanque suas iniciativas para criação de cinco universidades federais.

O senador José Sarney (PMDB) propôs uma no Oiapoque, no Amapá, estado onde tenta a reeleição que marcaria seus 50 anos de vida na política. Sua filha, a senadora Roseana (PFL), encaminhou quatro para o Maranhão, onde disputa o retorno ao governo estadual.

Os Sarney, como os demais congressistas, entusiasmaram-se com a disposição do MEC de acelerar gastos e contratações de pessoal para as novas unidades antes do início da campanha deste ano. Foi assim no caso do campus de Imperatriz, o segundo maior colégio eleitoral do Maranhão. Nele, o governo Lula está gastando R$8,1 milhões para abrir 240 vagas em cursos de alimentos, enfermagem e jornalismo.

Os eleitores maranhenses representam 3,9 milhões de votos: 46% deles declararam à Justiça Eleitoral não ter sequer completado o ciclo de educação fundamental.

Impulsionada por Lula, a mania de criação de universidades federais contagiou a bancada de Goiás. Enquanto o governo anunciava investimentos de R$16 milhões em dois novos campi nos municípios de Jataí e Catalão, os parlamentares goianos apresentaram projetos para criação de nove universidades federais no estado ¿ uma a cada 140 dias, desde 2003.

Goiás é um colégio eleitoral importante no Centro-Oeste, com 3,7 milhões de votos. Mas um em cada três eleitores goianos sequer completou a escola fundamental.