Título: `BOLSA FAMÍLIA É MÁQUINA DE CLIENTELISMO¿
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 23/07/2006, O País, p. 11

Vice na chapa de Heloísa Helena descarta qualquer possibilidade de uma espécie de `carta ao povo brasileiro¿

¿É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que nos rendermos à especulação financeira¿, diz César Benjamin, responsável pelo programa de governo da candidata do PSOL à Presidência, Heloísa Helena, e vice em sua chapa. Ele fala isso ao descartar a possibilidade de ela fazer, como o petista Lula em 2002, uma ¿carta ao povo brasileiro¿. O ex-guerrilheiro, que chegou a namorar o PMDB de Anthony Garotinho no Rio, diz que o Bolsa Família é uma "máquina de clientelismo", embora veja pontos positivos no programa. Para desbaratar "a máquina sistêmica de corrupção" no país, diz que Heloísa nomearia no máximo 250 pessoas. Os demais cargos seriam ocupados por servidores de carreira.

Quais são as propostas econômicas do PSOL?

BENJAMIN: A crise brasileira não é meramente econômica. É uma crise de destino, que exige de nós maior estatura intelectual, política e moral.

O senhor foi convidado pelo ex-governador Garotinho para fazer o programa do PMDB. Se ele tivesse sido candidato, teria ficado lá?

BENJAMIN: Eu nunca fui do PMDB. Fui chamado pelo professor Carlos Lessa para ajudá-lo na proposta programática que levaria à direção nacional do PMDB. Ele achava que o PMDB poderia voltar a ter um papel nacional relevante, tornando-se o eixo de uma frente antineoliberal, e não continuar a ser uma federação de agrupamentos regionais, sempre com um papel subalterno e menor. Depois houve dois pré-candidatos às prévias. Garotinho foi o que mais se destacou na defesa desse programa preliminar. Infelizmente, o PMDB respondeu negativamente ao desafio que Lessa lançou. Mas o esforço não foi em vão. Retomamos os estudos que fizemos juntos, agora para o programa da Heloísa Helena. O mesmo grupo está mobilizado, com mais gente que se agregou.

Com tantas CPIs (agora a dos sanguessugas), a ética ganhou importância?

BENJAMIN: Fazer política no Brasil, em grande medida, é lotear o Estado entre grupos políticos parasitários, interessados antes de tudo em manejar orçamentos, realizar compras e promover licitações com dinheiro público. É uma máquina sistêmica de corrupção. Vamos acabar com isso no primeiro mês de governo. Faremos o número mínimo de nomeações necessárias para consolidar a nova equipe, algo entre 200 e 250 pessoas, incluindo aí todos os ministérios e demais entes federais relevantes. Divulgaremos esses nomes, pelos quais seremos diretamente responsáveis. Em seguida publicaremos no Diário Oficial uma resolução dizendo que todos os demais cargos do Estado brasileiro serão preenchidos por funcionários de carreira, concursados, promovidos por mérito. Os famosos 25 mil cargos que o presidente distribui deixarão de existir.

Qual é o ponto central do debate econômico?

BENJAMIN: Temos uma das menores taxas de crescimento do mundo, 27% da população adulta estão desempregados ou subempregados, recebendo menos de um salário-mínimo. A pauta de exportações depende de produtos de baixo valor agregado, e a taxa de juros é uma anomalia. Oito em cada dez empregos criados são de um salário-mínimo.

Se a senadora continuar subindo nas pesquisas, poderá fazer, como Lula, uma ¿carta ao povo brasileiro¿ para não assustar os mercados?

BENJAMIN: É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que nós nos rendermos à especulação financeira.

Os juros podem cair mais?

BENJAMIN: Podem e devem cair rapidamente para algo em torno de 4% ao ano, o que ainda nos manteria entre os três países com as maiores taxas do mundo. Com a dívida interna em torno de R$1 trilhão, boa parte acompanhando a variação da taxa básica do Banco Central, cada ponto percentual de queda representa um alívio de mais ou menos R$10 bilhões nas contas públicas.Teríamos cerca de R$50 bilhões disponíveis para iniciar um programa criterioso de investimentos públicos, basicamente em infra-estrutura e serviços essenciais. Isso alavancará a taxa de investimento para no mínimo de 25% do PIB. E garantirá um crescimento de 6% a 7% ao ano.

Qual é a sua avaliação do Bolsa Família?

BENJAMIN: Tem aspectos positivos: a renda que se entrega a famílias pobres, em média R$60 por mês, e o efeito desse gasto em municípios pequenos e regiões de economia estruturalmente deprimida.

E os negativos?

BENJAMIN: O aumento da alocação de recursos tem ocorrido junto com a queda dos demais investimentos federais nessas regiões (saneamento, água, merenda escolar, etc.). As famílias sabem que podem ser descredenciadas por critérios do governo. É uma máquina de clientelismo eleitoralmente eficaz. Mas o conjunto das transferências aos mais pobres corresponde a 4,1% do PIB, e o Bolsa Família responde por 0,3%.

O PSOL pretende mantê-lo?

BENJAMIN: Estamos avaliando. Mas sabemos que o salário-mínimo tem um efeito distributivo maior. O Bolsa Família atinge os 10% mais pobres da população (primeiro decil) e o salário-mínimo atinge do segundo ao sexto decil de renda. Mas sua recuperação, nos últimos dez anos, esteve sujeita a critérios eleitorais. A fórmula de reajuste anual deveria ser determinada por lei e considerar a taxa de inflação, o crescimento da economia e um ganho de 5%. O valor dobraria em oito a dez anos. Desvincularia o aumento da politicagem, transformando em direito e não em favor.

E a Previdência?

BENJAMIN: Creio que todo o esforço para propagandear e legitimar o Bolsa Família, que não é um direito, prepara um ataque que será desferido contra o mundo dos direitos. Lula e Alckmin evitam tratar na campanha de algo que os une. Se qualquer um deles for eleito, os direitos previdenciários e trabalhistas serão desmontados nos próximos quatro anos. É o que o Banco Mundial e o FMI estão pedindo, e todos os estudos dos consultores desses candidatos apontam para isso. A emenda constitucional está pronta para tramitar no Congresso, à espera do resultado das eleições.

E o Bolsa Família?

BENJAMIN: Atinge principalmente os 10% mais pobres e tem 30% de erro no alvo. Para eles, a Lei Orgânica da Assistência Social tem instrumentos, como o Benefício de Prestação Continuada. Além disso, pesquisa com duas mil pessoas em Recife mostrou que de cada dez endereços do Bolsa Família, nove estão errados.

Como o PSOL se relacionaria com o Congresso

BENJAMIN: Criou-se uma deformação no Brasil, de que o Executivo precisa ter sempre maioria. O Congresso não pode ser tratado como casa de despachantes, encarregada da intermediação de cargos.

Além do voto de protesto, para onde vai a candidatura?

BENJAMIN: Trabalhamos para ganhar a eleição e governar o Brasil. Já passou do voto de protesto. Já está no voto da esperança e não só nos desencantados com o PT.

Poderia explicar a briga que o levou a se desligar do PT?

BENJAMIN: Não houve briga. Eu era da direção do PT em 1995, quando uma máfia veio para dentro dela. Procurei Lula. Ele me disse para eu não me meter nisso. Compreendi que começava um novo jogo. Pedi meu boné. Não me venha o Lula, agora, dizer que não sabia de nada. Ele sempre foi o chefe. Não quero fazer uma campanha rancorosa e moralista, mas esta é a verdade.

Por que o senhor está no PSOL?

BENJAMIN: O que me move é a percepção de que nossa existência, como nação soberana e sociedade organizada, está em perigo. Há 25 anos a renda nacional por habitante está estagnada. Uma geração inteira nunca viu o Brasil se desenvolver. Cerca de 65% dos jovens de 14 e 24 anos não estudam nem trabalham. O crime organizado avança.

¿Teríamos cerca de R$50 bilhões disponíveis para um programa criterioso de investimentos públicos¿