Título: NO CINEMA, O SONHO AINDA DISTANTE DE CELSO FURTADO
Autor: Cristina Alves e Gustavo Villela
Fonte: O Globo, 23/07/2006, Economia, p. 34

Em documentário inédito, economista fala sobre desafio de reduzir juros para país crescer mais e combater desigualdade

¿Eu me pergunto: quem manda nesse país? Por que se conserva essas taxas de juros de fantasia que sacam e sangram o país? (Isso) deixa uma margem de crescimento pequena¿. As declarações poderiam estar na boca de críticos da atual política econômica do governo Lula, mas são de 2004 e foram dadas pelo economista e ex-ministro Celso Furtado na abertura do documentário ¿O longo amanhecer¿, do cineasta José Mariani. O filme tem pré-lançamento marcado para esta semana durante o seminário ¿Pobreza e desenvolvimento no contexto da globalização¿, que acontece entre os dias 25 e 27, no BNDES, no Rio.

O debate reunirá cientistas sociais, economistas e outros acadêmicos de várias nacionalidades e é promovido pelo recém-criado Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento (www.centrocelsofurtado.org.br).

O próprio Furtado, no documentário, diz que as soluções não são simples e reconhece: ¿É difícil dirigir um país como esse. Mas, ao mesmo tempo é um país tão alegre, com todo carnaval, tão interessado em futebol....¿

¿Celso é atual e coloca a necessidade de um projeto de desenvolvimento nacional¿, resume o economista João Manuel Cardoso de Mello, um dos entrevistados no filme. Além dele, falam sobre Furtado e sua obra Maria da Conceição Tavares, Antônio Barros de Castro, Ricardo Bielschowsky e o chileno Osvaldo Sunkel, entre outros. O filme é um painel da História brasileira desde a 2ª Guerra Mundial.

¿ Infelizmente, o Celso não viu o filme, não deu tempo (morreu em novembro de 2004), mas acho que Mariani conseguiu contar a história econômica do Brasil da segunda metade do século XX ¿ diz a jornalista Rosa Freire d¿Aguiar Furtado, viúva do ex-ministro.

¿ A idéia (do filme) surgiu depois de outro documentário que fiz chamado ¿Cientistas brasileiros: César Lattes e José Leite Lopes¿ (de 2002). Ele mostrava uma geração do pós-Guerra no Brasil politicamente muito ativa ¿ diz Mariani, acrescentando que os temas tratados por Furtado permanecem atuais.

Para fazer o filme, de 73 minutos, Mariani escolheu o mesmo título de um livro de Furtado, de 1999, e entrevistou 17 pessoas por quase 30 horas. O diretor contou com a consultoria de Bielschowsky (Cepal). Só com o ex-ministro ¿ que ocupou a pasta do Planejamento no governo João Goulart e da Cultura na gestão José Sarney ¿ foram quatro horas.

Na entrevista, o imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Celso Furtado revela o sonho de ser escritor de ficção. Não conseguiu. Em 1944, após concluir a Faculdade de Direito, serviu na Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra. Voltou ao Brasil e, em 1946, retornou à Europa com passagem de terceira classe num navio francês. O menino de Pombal, no sertão da Paraíba, queria conhecer o mundo.

A criação da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), o governo Vargas, os anos JK e Jango, a criação da Sudene, o exílio pós-64 e a vida como professor no exterior, tudo está no filme. Furtado conta por que deixou em aberto as opções que enxergava para o país quando escreveu o clássico ¿Formação econômica do Brasil¿, de 1959.

¿Pensei: vão me acusar de esquerdista, de marxista disfarçado e acho que isso atrapalha o avanço das idéias. Vou ficar por aqui. O livro é inconclusivo¿, diz, para depois frisar que a distribuição da renda no Brasil está condicionada ao efeito da dominação. Em 1958, avançavam as ligas camponesas de Francisco Julião e Cuba estava às portas da revolução. Naquele momento, JK convida Furtado a propor soluções para o Nordeste. O homem que teorizava sobre o futuro tinha a chance de pôr em prática suas idéias.

¿Juscelino comprou do Celso o otimismo que ele tinha¿, resume o sociólogo Francisco de Oliveira, no filme.