Título: O INIMIGO NÚMERO UM DE ISRAEL
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 23/07/2006, O Mundo, p. 41

Carismático líder do Hezbollah seria mais temido por israelenses do que Bin Laden pelos EUA

Quando um celular toca, dele brota geralmente o trecho de uma canção que o seu dono escolheu. Ainda há quem prefira manter o típico som característico de uma chamada telefônica. No Líbano, porém, quando toca um celular o que salta dele é a voz de Hassan Nasrallah, dizendo uma frase de um de seus discursos.

Há muitas opções. As companhias telefônicas oferecem um punhado de declarações, retiradas de vários pronunciamentos dele. Nos táxis, em vez de música, muitos motoristas também preferem tocar fitas ou CDs com discursos Nasrallah, o secretário-geral do grupo radical Hezbollah (ou Partido de Deus).

O rosto dele é usado como protetor de tela em computadores de muita gente e figura em cartazes em paredes de lojas, escritórios e oficinas mecânicas do Líbano, onde, aliás, a bandeira amarela do grupo extremista está mais presente do que a própria bandeira do país.

O motivo de tal popularidade tem mais a ver com a pobreza do que com o extremismo ¿ embora, em alguns casos uma coisa tenha levado à outra. Para uma boa parcela dos libaneses, o Hezbollah é mais importante (e útil) do que o Estado. Hospitais, clínicas, farmácias, mercearias, orfanatos, escolas ¿ e até mesmo o recolhimento do lixo, em algumas localidades ¿ são administrados pelo grupo. E os preços cobrados são menores que os do mercado.

¿ Nasrallah é um homem de Deus, das armas e do governo. É um cruzamento entre o aiatolá Khomeini e Che Guevara, um populista islâmico e também um carismático estrategista de guerrilha ¿ define Robin Wright, uma jornalista que o entrevistou recentemente para o livro que está prestes a lançar (¿Sonhos e Sombras: o futuro do Oriente Médio¿).

Nasrallah ¿ que estudou política no Iraque e religião no Irã ¿ é famoso pelo seu dom da oratória. Tido como uma das mais carismáticas figuras do Oriente Médio, ele cativa multidões sem apelar às costumeiras artimanhas de líderes do gênero:

¿ Ele é, realmente, fora do comum. Quando fala você pode sentir o ardor revolucionário de Che Guevara e a eloqüência e o charme de Bill Clinton ¿ afirma Diana Buttu, analista política que foi conselheira legal da Organização pela Libertação da Palestina (OLP).

Líder radical e político moderado

O atual conflito no Oriente Médio, que transformou Nasrallah no principal alvo de Israel, está conferindo a ele outra reputação. Aos olhos israelenses, seria um novo Osama bin Laden. Ou, como já se diz na região, ele se transformou no Bin Laden de Israel.

¿ A sensação é que se, no final de tudo, Nasrallah ainda estiver lá fazendo os seus discursos, isso irá ofuscar definitivamente os êxitos militares ¿ disse Alex Fishman, analista militar israelense.

Hábil, Nasrallah ¿ que assumiu a chefia do Hezbollah em 1992, com apenas 32 anos ¿ conduziu a sua tropa com astúcia, criando para ela uma legítima representação: o grupo extremista passou a ser também um partido político. Ele hoje ocupa 14 dos 128 assentos no Parlamento libanês, e tem também um ministério. Nasrallah é respeitado, sobretudo, porque é atribuído a ele ¿ ao poder de sua tropa ¿ o fim da ocupação do sul do Líbano por Israel.

A capacidade de manter essa dualidade ¿ ao mesmo tempo líder radical e político moderado ¿ faz com que o líder do Hezbollah seja mais temido pelos israelenses do que Bin Laden pelos Estados Unidos. Políticos da região que tiveram contato com ele o definem como culto e inteligente, e mencionam com admiração o fato de Nasrallah ter contado a eles que, com o objetivo de conhecer os seus inimigos, leu os livros de memórias de todos os líderes israelenses.

O próprio embaixador de Israel nos Estados Unidos, Daniel Ayalon, endossa tal percepção:

¿ Nasrallah é o mais perspicaz dos líderes do mundo árabe, e também o mais perigoso.

Essa fama foi confirmada ¿ e obviamente reforçada ¿ por um incidente há três meses: a al-Qaeda, de Osama bin Laden, tentou assassiná-lo. Embora nos Estados Unidos os dois sejam vistos como eventuais parceiros ¿ certamente pelo fato de ambos serem seus inimigos mortais ¿ eles não se afinam bem.

Morte seria um dilema para Israel

Trata-se, basicamente, de uma rixa entre duas correntes islâmicas: de um lado um sunita, de outro um xiita. Nasrallah foi apontado pela al-Qaeda como ¿inimigo dos sunitas¿. Outro fator que os distancia é que, embora acredite que o islamismo possa solucionar os problemas de todas as sociedades, o líder do Hezbollah ¿ ao contrário dos fanáticos de plantão ¿ não tenta impor a religião aos demais.

Tampouco apregoa que o Líbano seja transformado numa república islâmica. E para espanto de muitos, embora o radicalismo seja o meio de vida ¿ ou, no mínimo, o seu modus operandi ¿ Nasrallah condenou o atentado ao World Trade Center em setembro de 2001. Ao conversar com Robin Wright, durante a preparação do livro dela, ele foi direto: ¿O que as pessoas que trabalhavam nas Torres Gêmeas, milhares de empregados, mulheres e homens, têm a ver com a guerra que está acontecendo no Oriente Médio? Ou com a guerra que George Bush pode realizar com o mundo islâmico? Por isso, nós condenamos esse ato. Não endossamos o método e o estilo de Bin Laden. Muitas das operações que eles (al-Qaeda) realizaram nós condenamos claramente¿.

Tais atitudes, no entanto, não devem ser confundidas com moderação ¿ adverte Wright. Afinal, Nasrallah acredita que apenas os homens-bomba podem garantir a democracia, como ficou claro num discurso que fez no início deste ano:

¿ Enquanto houver guerreiros prontos ao martírio, este país permanecerá seguro ¿ disse ele.

Suas palavras ganham força perante admiradores pelo fato de ele ter perdido um filho adolescente em nome da causa. Era o primogênito. Morreu em 1997 numa troca de tiros com tropas israelenses no sul do Líbano. Nasrallah reforça a aura de batalhador vivendo com a mulher e os outros três filhos do casal num bairro pobre de Beirute, de onde raramente se afasta.

O dilema de Israel, hoje, é que a eventual morte de Nasrallah nos atuais bombardeios poderia, em vez de marcar o fim do Hezbollah, significar a criação de um novo e mais influente mártir para os seus inimigos. Dias atrás, o jornal israelense ¿Haaretz¿ resumiu a situação de forma precisa num editorial: ¿É simples aderir emocionalmente à cultura de guerra de George Bush contra o eixo do mal. Mas deve-se lembrar que, no fim das contas, são os cidadãos de Israel e não os americanos que têm de continuar vivendo no Oriente Médio. Portanto, temos de pensar em maneiras de tornar possível para nós coexistir, mesmo com aqueles com os quais não apreciamos estar¿.