Título: SELEÇÃO COM A CARA DO POVO
Autor: Fábio Juppa
Fonte: O Globo, 25/07/2006, Esportes, p. 34

Novo técnico dará início à renovação e cobrará comprometimento dos jogadores

A carreira de Dunga na seleção foi marcada por momentos distintos. No início da década de 90, ele batizou um período estigmatizado pelo futebol feio que fracassou na Copa da Itália, a Era Dunga. Anos mais tarde, como capitão do tetra nos Estados Unidos, foi o símbolo da volta por cima de uma geração. Anunciado ontem como sucessor de Carlos Alberto Parreira, ele afirmou, em entrevista por telefone ao GLOBO, no fim da noite, que seu maior desafio a partir do dia 1º de agosto, quando faz a convocação para o amistoso contra a Noruega, em Oslo, dia 16, é montar uma equipe que esteja em sintonia com a energia e os anseios do torcedor.

Após uma Copa do Mundo em que alguns jogadores deixaram a impressão de falta de compromisso com a seleção brasileira, como você, que um dia personificou esse comprometimento, recebeu o convite para suceder Carlos Alberto Parreira?

DUNGA: Quem faz parte da seleção nunca se desliga dela. Como ex-jogador, sempre há a esperança de voltar a servi-la em um outro momento. Conheço a responsabilidade de dirigir a seleção brasileira, é preciso ter coragem acima de tudo. Sei que existem riscos, mas quem não arrisca não costuma chegar a lugar algum.

Já é possível traçar o perfil da equipe sob seu comando?

DUNGA: Tem de ser uma seleção que tenha ligação com o povo. O que ela precisa agora é sentir essa energia do torcedor, estar em sintonia com o que ele espera de uma seleção brasileira. Para participar, o jogador terá de demonstrar motivação. Mas futebol sem qualidade fica difícil. Ninguém vence sem ela.

Qual é o seu maior desafio?

DUNGA: Quero uma seleção vibrante, com a cara do povo brasileiro. Haverá renovação, de forma automática, já que muitos jogadores estão deixando a equipe. Precisamos de uma seleção vibrante e com qualidade.

Diante dessa proposta, por onde começar a transformação?

DUNGA: O presidente Ricardo Teixeira quer implementar uma nova filosofia de trabalho. Tenho vontade e algumas idéias que serão discutidas hoje (ontem, quando se reuniria com o dirigente). A primeira coisa é conseguir ligar os jogadores das categorias de base da CBF à seleção principal, uma vez que isso quase não acontece. Poucos garotos que participam das seleções de categorias inferiores chegam ao time profissional. Temos de aproveitar a experiência que eles acumulam e prepará-los para futuras Copas do Mundo.

Jogador de seleção hoje é sinônimo de celebridade e comporta-se como tal. Como aproximá-los dos anseios do torcedor, um mundo tão distante do que vivem?

DUNGA: Eles precisam sentir uma cobrança à altura do que representam, mas é claro que só isso não ganha jogo. Vamos procurar tirar o melhor de cada um, vai haver exigência de qualidade e, principalmente, comprometimento com resultados. O talento individual tem de ser posto à serviço da equipe.

Como aconteceu na Copa dos Estados Unidos, em 1994?

DUNGA: Seja no passado ou agora, as individualidades só sobressaem quando há espírito de grupo, e isso é o mais importante. Todos terão seus espaços respeitados, mas, se houver esse clima, tudo fica mais fácil.

Que avaliação você faz da participação da seleção brasileira no Mundial da Alemanha?

DUNGA: Só o fato de não ganhar já deixou a desejar. Com certeza, não foi apenas por um motivo específico que as coisas não deram certo, mas por um conjunto de detalhes que, somados, acabaram por fazer a diferença.

Entre esses detalhes, estaria o desinteresse de alguns?

DUNGA: As próprias entrevistas dadas por alguns jogadores demonstram claramente o que eles pensam. No meu modo de ver, a um jogador que veste a camisa da seleção brasileira não pode faltar qualidade, motivação e vontade de vencer. Ninguém vai jogar com nome, os jogadores vão se escalar pelo que demonstrarem.

Você estréia no amistoso com a Noruega, em Oslo. O que esperar da primeira convocação, uma renovação completa ou apenas parcial do grupo que foi à Alemanha?

DUNGA: A idéia é mesclar, acho que o caminho é por aí. Vamos aproveitar a experiência de alguns que estiveram na Copa do Mundo e dar início a uma renovação, chamando novos nomes, projetando o próximo Mundial.

O grupo que Parreira levou à Alemanha tinha vários jogadores com 29, 30 anos e foi um dos mais experientes com que o Brasil disputou uma Copa. A tendência é a renovação começar por eles?

DUNGA: Esses jogadores a gente já conhece, sabemos o quanto podem render, mas isso não significa que estejam excluídos dos planos. Tudo será feito com muita calma. Como já disse, o ideal agora é mesclar experiência e juventude.

Falando especificamente de Cafu e Ronaldo, jogadores que já foram a quatro Copas do Mundo, quais são seus planos para eles?

DUNGA: Eles têm uma história na seleção brasileira, um currículo vitorioso, demonstraram valor, mas ao longo de quatro anos não podemos prever o que vai acontecer. Sobre a (primeira) convocação, ainda não sentamos para fazer contato com os jogadores que foram à Copa para saber se voltaram aos treinamentos e estão aptos a jogar.

É possível que ex-jogadores que participaram da seleção tetracampeã em 1994 façam parte de sua equipe de trabalho?

DUNGA: Vamos montar a comissão técnica de acordo com a qualidade dos profissionais, não por amizade. Os nomes ainda estão sendo escolhidos.

`A FÁBULA DO ANÃO GIGANTE TEM UMA NOVA ERA¿, na página 33