Título: MANIPULADORES DE INQUÉRITOS
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 24/07/2006, O País, p. 3

Relatório da PF denuncia que presos na Operação Cerol manobravam 400 investigações

Relatório reservado da Polícia Federal denuncia que delegados, advogados e empresários presos na Operação Cerol, sexta-feira, tentaram manipular mais de 400 inquéritos sobre desvios de altas somas de dinheiro, principalmente da Previdência Social. O documento mostra que boa parte dos beneficiários da atuação da organização seria cliente do escritório do advogado Michel Assef.

¿Houve um específico interesse no redirecionamento de todos os mais de 400 inquéritos referentes a não-recolhimento de contribuições previdenciárias por parte de empresas¿, informa o relatório reproduzido pela juíza federal Ana Paula Vieira de Carvalho. Segundo o documento, delegados e advogados direcionavam inquéritos para controlar as investigações.

Eles teriam tentado assumir o controle até mesmo de inquéritos conduzidos pela Força Tarefa Previdenciária, composta por um grupo de delegados e procuradores da República. A partir da manobra, os acusados faziam ¿acertos com os investigados, através de investigações lenientes, diligências protelatórias, apurações propositadamente deficientes ou mesmo pedidos de arquivamento¿. O relatório menciona a atuação do grupo sobre várias investigações.

O relatório revela que a organização tentou até envolver o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o candidato ao governo do Rio pelo PMDB, Sérgio Cabral Filho, num lobby para impedir que os delegados José Milton Rodrigues ¿ este preso sexta-feira ¿ e Roberto Prel fossem afastados do comando da PF no Rio. Não há informação, porém, se a organização conseguiu efetivamente fazer o lobby. Com base nessas e em outras informações, a Justiça Federal do Rio decretou a prisão de José Milton e mais 16 supostos integrantes da organização ¿ sendo seis delegados, um agente e um escrivão da PF.

Interesse numa lista de nomes

Segundo o relatório, no dia 26 de janeiro deste ano, o advogado Tarcísio Pelúcio disse ao empresário Paulo Henrique Villela Pedras que tentaria descobrir com ¿o chefe¿, José Milton Rodrigues, à época superintendente da PF no Rio, quais os pedidos de abertura de inquérito que teriam chegado na Delegacia de Crimes Financeiros (Delefin). ¿Pelúcio tinha especial interesse em uma lista de nomes que estaria na Delefin para apuração onde seriam mencionadas centenas de pessoas físicas e jurídicas (...)¿, diz o documento.

Duas semanas depois, o delegado Paulo Sérgio Baltazar, apontado como integrante da organização, chama para si 44 inquéritos. O documento não deixa claro se os investigados sabiam das manobras supostamente fraudulentas de advogados e delegados. Baltazar está entre os 17 presos da Cerol. Num outro trecho, o relatório sustenta que o delegado Jairo Kullman, outro ex-superintendente da PF preso na operação, teria permitido que advogados preparassem as respostas de uma carta precatória.

¿Há indícios robustos de que não só as datas foram combinadas com o referido delegado, mas também as respostas às perguntas da precatória foram levadas prontas pelo advogado¿, informa a PF. Os investigadores sustentam ainda que o interrogatório dos quatro executivos não durou uma hora. Mais tarde, em troca dos supostos favores, Kullman teria recebido ¿presentes finíssimos¿.

Procurado, Renan Calheiros não foi encontrado. A assessoria de Márcio Thomaz Bastos disse que não tinha condições de responder as denúncias ontem, mas que dificilmente um pedido desses teria chegado a ele. Por meio de sua assessoria, Sérgio Cabral disse que nunca foi procurado para interferir em qualquer assunto dessa natureza.