Título: CHIFRE EM CAVALO
Autor: George Vidor
Fonte: O Globo, 24/07/2006, Economia, p. 18

O mercado financeiro gosta de ver chifre em cabeça de cavalo, talvez por vício profissional: os mais pessimistas costumam ganhar mais dinheiro do que os muito otimistas. Em relação a 2006, os analistas de investimentos tiveram de se render à realidade, mas para o ano que vem apontam uma série de ameaças que podem comprometer o desempenho da economia brasileira.

As ameaças tanto teriam origem no exterior ¿ alta dos juros básicos lá fora, com conseqüente desaceleração das economias mais ricas e eventual encolhimento do consumo, afetando as exportações brasileiras ¿ como em problemas internos. No entanto, tal cenário estaria mais para chifre em cabeça de cavalo, pois essas ameaças só tiveram até agora efeito prático sobre o mercado financeiro (os analistas dizem em sua defesa que o setor sempre antecipa o que deverá acontecer na economia real...).

A dúvida é se o chifre em cabeça de cavalo influenciará as próximas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). Embora as taxas de juros básicas no Brasil tenham sido reduzidas para 14,75% ao ano, as mais baixas desde o lançamento do real, elas continuam excessivamente altas, sob qualquer prisma. Assim como graves problemas estruturais da economia brasileira foram camuflados pela superinflação, as taxas de juros elevadas também provocam distorções no sistema produtivo e dificultam o alcance de alguns objetivos macroeconômicos, como um ajuste de melhor qualidade nas finanças públicas e um câmbio mais equilibrado. Mas isso somente ficará mais claro quando os juros básicos caírem para menos de 14% ao ano.

À medida que o tempo passa, aumenta a probabilidade de as obras da usina nuclear Angra 3 serem retomadas. É que ainda não foi dada a partida para a construção de qualquer grande usina, hidráulica ou térmica, capaz de entrar em operação no início da próxima década. E Angra 3 está na prateleira, pronta para ser reiniciada.

Ao longo dos últimos meses foi executado um programa de recuperação ambiental de toda a área onde ficará a futura usina. Foi retirada toda a água que inundava o buraco escavado na rocha para abrigar as fundações de Angra 3. Vedaram-se fissuras que poderiam resultar em infiltrações, e obras de contenção na encosta adjacente estão em andamento.

Tal programa de recuperação ambiental teria de ser executado de qualquer maneira, decida-se ou não pela conclusão de Angra 3. Mas se o governo retomar as obras, a etapa da recuperação ambiental já terá sido cumprida. Agora a Eletronuclear está pedindo autorização para renegociar contratos assinados há mais de 20 anos. Os preços de muitos itens podem ser reduzidos. Ganhar-se-á tempo também com essa renegociação, caso a obra venha a ser retomada.

Possivelmente com Angra 3 um ciclo tecnológico da indústria nuclear se encerrará no Brasil. Os novos reatores projetados nos Estados Unidos dispensarão vários sistemas redundantes (no caso dos reatores de Angra 2 e 3, duplamente redundantes) que encareceram as usinas nucleares, embora tenham tornado remotíssimas as possibilidades de acidentes.

Os novos reatores estão sendo projetados nos EUA devido ao enorme potencial de construção de usinas nucleares naquele mercado. Os americanos têm cerca de 900 mil megawatts de potência instalada, dos quais 130 mil correspondem à energia nuclear (um terço da capacidade do setor no mundo). Considerando-se apenas a energia de origem nuclear, os EUA têm 30% mais potência do que toda a capacidade de geração de eletricidade do Brasil.

A maioria das usinas americanas em operação teve sua vida útil prolongada por 20 anos, e esse prazo só começa a expirar na próxima década. Com isso, mesmo com o investimento feito para se atualizar equipamentos, tais usinas são hoje muito rentáveis e atraíram o interesse de alguns grupos que já atuavam no setor. Antes eram comuns proprietários de uma única usina, como a hipotética que inspira o seriado de TV ¿Os Simpsons¿. Agora cada grupo chega a ter de dez a 12 centrais nucleares.

São empresas com cacife para construir novas usinas. E em breve também haverá locais disponíveis para abrigá-las, pois elas poderão ficar no lugar das antigas centrais nucleares, junto a comunidades que não fazem restrições a instalações desse tipo.

Para o Brasil, face ao investimento já feito em Angra 3 (equipamentos comprados, projeto de engenharia pronto, área escavada para fundações etc.), concluí-la ficará mais barato do que construir qualquer outra usina nuclear.

O deputado Armando Monteiro Neto será reeleito amanhã para mais quatro anos à frente da Confederação Nacional da indústria (CNI), depois de congregar em torno da entidade não apenas os dirigentes sindicais patronais mas também 38 associações setoriais. O Fórum Nacional da Indústria conseguiu conciliar os interesses geopolíticos e os de segmentos importantes do setor (veículos, máquinas etc.), e a CNI se tornou o principal interlocutor dos industriais junto ao governo e ao Congresso. A Fiesp (São Paulo) ocupará a primeira vice-presidência, restabelecendo uma tradição na CNI. E a Firjan (Rio), que se afastara da entidade, volta a participar da diretoria.