Título: PRIVATIZAÇÃO DE RECURSOS DO SUS
Autor: Fernanda Pontes/Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 26/07/2006, Rio, p. 13

TCU descobre que fundações administram irregularmente verbas de hospitais federais

Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em cinco hospitais federais do Rio constatou irregularidades na atuação de entidades privadas de apoio. De acordo com o relatório aprovado pelos conselheiros do TCU em plenário, fundações que deveriam angariar recursos para os hospitais e ajudar na melhoria dos serviços tornaram-se fornecedoras de mão-de-obra sem concurso público, além de receber irregularmente recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). O TCU determinou ao Ministério da Saúde que rescinda os convênios e promova a substituição do pessoal contratado de forma indireta por concursados.

As unidades que passaram pela auditoria, no segundo semestre de 2005, foram o Hospital dos Servidores do Estado (HSE), o Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), o Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into), o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras (INCL). O relatório afirma que o déficit de profissionais nesses hospitais levou seus gestores a incrementarem a contratação indireta de mão-de-obra através de fundações de apoio, em desacordo com a Constituição federal, que exige a realização de concurso público. Na maioria das vezes, os terceirizados recebem menos e não contam com benefícios trabalhistas.

Repasse milionário não evita problemas

Uma outra irregularidade constatada pelos auditores foi o recebimento pelas fundações Ary Frauzino (FAF), do Inca; Pró-Coração (Fundacor), do INCL; e de Apoio e Ensino Bonsucesso (Faseb), do HGB, de recursos do SUS; e do Fundo de Ações Estratégicas (Faec) por procedimentos que foram realizados com equipamentos e instalações dos hospitais. Segundo o relatório do TCU, essas fundações se apropriaram de informações gerenciais dos hospitais sobre o número de procedimentos realizados e informaram à prefeitura do Rio - gestora do SUS até o ano passado - que os procedimentos tinham sido realizados por elas.

O dinheiro recebido, segundo o TCU, foi utilizado, entre outras coisas, na remuneração dos profissionais terceirizados e no pagamento de benefícios aos servidores dos hospitais, o que é proibido pela Constituição. Apesar dos repasses milionários às fundações, a situação nos hospitais apoiados por elas continuou grave, com equipamentos quebrados, falta de leitos e outros problemas, segundo o vereador Carlos Eduardo (PPS), presidente da Comissão de Saúde da Câmara.

Somente no HSE, 327 profissionais da área médica foram contratados indiretamente por meio de um convênio com a Fundacor em dezembro de 2003. Além disso, alguns dos contratados já constavam do quadro de pessoal da unidade, o que é proibido pela Lei 8.666/93, que institui normas para os contratos da administração pública.

A mesma Fundacor é responsável por manter atualmente cerca de 300 profissionais à disposição do INCL, em outra terceirização considerada irregular pelo TCU. O HGB também contratou indiretamente 26 profissionais de saúde por meio de um contrato com a Fundacor em março de 2002, segundo o TCU. Os médicos e enfermeiros, nesse caso, não mantinham sequer vínculo empregatício com a fundação, estando ligados à cooperativa Cardiocoop - Cooperativa dos Profissionais de Saúde e Gestão Hospitalar Ltda.

Para Conceição Santos, da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência do Estado (Sindsprev-RJ), a contratação de terceirizados é prejudicial tanto para os profissionais da área quanto para os pacientes:

- Esses profissionais trabalham sem carteira assinada nem qualquer garantia. Recebem salários muito menores do que deveriam e, além disso, muitos têm a função desviada dentro das unidades.

O presidente do Sindicado dos Médicos do estado, Jorge Darze, classificou como louvável a atitude do TCU de defender a substituição dos terceirizados por concursados:

- A mão-de-obra terceirizada virou política de recursos humanos nas últimas administrações federais. Além disso, a relação entre as fundações e os hospitais precisa ser verificada. A experiência tem nos mostrado que os resultados têm sido mais negativos do que positivos.

O recebimento de recursos do SUS pelas fundações sem a fiscalização efetiva do uso também gera críticas. Segundo Conceição, muitas fundações têm se aproveitado desses recursos para superfaturar a compra de equipamentos para os hospitais:

- A grande maioria das fundações é de empresas mascaradas. Elas têm isenção de impostos e utilizam mão-de-obra barata para a execução de serviços. Como têm autonomia no gerenciamento, há denúncias de superfaturamentos de até 200% na compra de equipamentos.

A Faseb é uma das instituições acusadas no relatório de receber irregularmente recursos. Ela permaneceu inativa de 1997 até 2002, sem desempenhar qualquer das atividades para as quais foi instituída, até ser cadastrada no Sistema Único de Saúde, quando passou a receber por procedimentos realizados nas áreas de hepatologia, nefrologia, oftalmologia e urologia no HGB.

Antes do cadastramento, o patrimônio líquido da Faseb, em 2001, era negativo em R$10.157,96. No fim de 2002, porém, a fundação já havia assumido, com recursos próprios, a contratação da Cardiocoop, ao custo mensal de R$168.993,85. Ela também contratou 290 profissionais das áreas assistencial e gerencial. A atual direção do HGB, empossada ano passado, rompeu relacionamento com a Faseb por orientação do TCU.

Hospitais têm prazo para as mudanças

A FAF, de apoio ao Inca, no entender dos auditores, é a única que dispunha de respaldo jurídico para o recebimento de verba do SUS. Algumas irregularidades, no entanto, também foram encontradas, como a existência de cinco cadastros diferentes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) da Secretaria de Atenção a Saúde do Ministério da Saúde, com CNPJs e nomes distintos. Com apenas um dos CNPJs a fundação cobrou, de janeiro de 1997 até março de 2006, mais de R$80 milhões por procedimentos médicos e pesquisa, segundo dados do DataSUS. A FAF também fez a contratação de profissionais de saúde terceirizados para o Inca.

Em seu voto, o ministro-relator do TCU Marcos Vinicios Vilaça disse que as fundações estão atuando como fornecedoras de mão-de-obra sem concurso público e recebendo recursos por serviços prestados com o uso de pessoal, equipamentos e instalações dos hospitais apoiados.

"Lamentavelmente, a maioria das fundações de apoio não se apresenta como o parceiro que o Estado precisa. Em vez de colaborar com o uso eficiente e racional dos recursos públicos, existem e sobrevivem consumindo-os (...)", concluiu o ministro.

O TCU, entre outras coisas, deu prazo de 180 dias para os hospitais federais no Rio organizarem seus quadros de pessoal e um ano para promoverem a substituição dos funcionários contratados indiretamente por concursados. O tribunal também determinou que o Ministério da Saúde suspenda em 60 dias o pagamento de recursos do SUS às fundações de apoio, revertendo os valores para os hospitais. O ministério informou que ainda não recebeu o acórdão.

Os problemas das unidades auditadas

1. HOSPITAL GERAL DE BONSUCESSO (HGB): Onde deveriam ficar 25 pacientes, há quase cem, internados na emergência. Doentes renais e tuberculosos são colocados lado a lado. Apesar da excelência na UTI neonatal, não há leitos suficientes na maternidade.

2. INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER (Inca): Longas filas de espera e poucos atendimentos por dia. Quem não consegue ser atendido acaba buscando a emergência de outros hospitais como o Miguel Couto (Gávea), onde a quinta causa de óbitos é o câncer.

3. INSTITUTO NACIONAL DE CARDIOLOGIA DE LARANJEIRAS (INCL): Apesar de ser referência em cardiologia no país, com excelentes profissionais, a unidade sofre com carência de leitos.

4. INSTITUTO NACIONAL DE TRAUMATO-ORTOPEDIA (Into): A fila de pacientes que aguarda por uma cirurgia ortopédica chega a seis mil. A unidade não consegue atender a demanda.

HOSPITAL DOS SERVIDORES DO ESTADO (HSE): O setor de emergência, que já foi referência, está fechado há anos. Há carência de recursos humanos e o parque tecnológico é ineficiente. O aparelho de hemodinâmica, responsável pelo exame de cateterismo, não está funcionando.