Título: O NÓ DAS CONTAS PÚBLICAS
Autor: Flávia Barbosa/Martha Beck
Fonte: O Globo, 26/07/2006, Economia, p. 21
Despesas da União cresceram 14% no primeiro semestre, bem acima das receitas
O resultado das contas do governo central - Tesouro Nacional, INSS e Banco Central - divulgado ontem pelo Ministério da Fazenda mostrou que as despesas da União cresceram a um ritmo bem maior do que as receitas no primeiro semestre de 2006. Segundo os dados, para pagar a fatura dos reajustes do salário-mínimo e categorias do funcionalismo e do aumento de subsídios e benefícios sociais - todos gastos permanentes - foram desembolsados R$177 bilhões, 14% mais do que no mesmo período do ano passado. Um dado em particular reforçou a apreensão dos especialistas. Além de terem subido apenas 10% entre janeiro e junho, as receitas que sustentam a ampliação dos gastos são consideradas extraordinárias, como o pagamento de royalties e a antecipação de dividendos por estatais. A arrecadação do período ficou em R$208,8 bilhões.
O resultado dessa equação foi a redução do superávit primário - economia para pagamento de juros que ajuda na redução da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). Para este fim, foram deixados no caixa da União entre janeiro e junho R$38,3 bilhões, ou 3,87% do PIB. O resultado representa uma queda de R$19,4 milhões em relação a 2005 (quando estava em 4,18% do PIB), embora já represente 89,2% da meta fixada este ano para o período janeiro-agosto, de R$42,9 bilhões.
Para o ano, a meta do governo central é de R$52,6 bilhões, ou 2,5% do PIB. O resultado compõe a meta de superávit primário do setor público, que é de 4,25% do PIB no ano.
- O comportamento das despesas não está fora do previsto. Continuamos com a visão de que vamos atingir as metas do ano a despeito dos resultados que estamos mostrando com a Previdência e com as despesas - afirmou o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall.
Os analistas também não põem em xeque o cumprimento da meta de superávit primário deste ano. Mas questionam a qualidade e a sustentabilidade do ajuste fiscal no longo prazo. Para eles, o problema é o fato de estarem aumentando despesas - como de pessoal e com benefícios sociais - que não poderão ser cortadas futuramente e que hoje estão sendo cobertas por receitas que não necessariamente se repetirão a partir de 2007.
De acordo com dados compilados pelo Ipea, no primeiro semestre a receita federal com tributos (impostos e contribuições) passou de 8,8% para 8,9% do PIB. Já a arrecadação com outras receitas - tais como royalties e dividendos - passou de 2,4% para 2,8%, sustentando os desembolsos. No mesmo período, despesas como as de pessoal cresceram o equivalente a 0,4 ponto percentual do PIB e as com Loas (benefícios previdenciários integralmente arcados pelo Tesouro), 0,9 ponto.
- O que vemos é um ajuste de qualidade muito ruim, com base em receitas incertas. Para sustentar esses gastos permanentes, ou o superávit vai cair, o que deteriora a relação entre a dívida pública e o PIB, ou a carga tributária vai subir. Em ambos os casos, o cenário não é bom - diz a economista Margarida Gutierrez, do Grupo de Conjuntura do Instituto de Economia da UFRJ.
Previdência: alta de 13,9% nos gastos
O diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea, Paulo Levy, diz que o Brasil, ao limitar-se a um superávit de 4,25% e a expandir gastos fixos, perde a oportunidade de melhorar mais rapidamente sua avaliação no mercado internacional, aumentar a capacidade de fazer investimentos fundamentais e reduzir ainda mais a Taxa Selic. Hoje, um dos motivos principais de os juros serem altos é o prêmio que o governo tem que pagar aos investidores para se financiar, uma vez que eles desconfiam, diante do tamanho da dívida pública, da capacidade de o Brasil honrar compromissos.
- Ainda que reconhecendo que o aumento de gastos não compromete a meta de 4,25%, a gente fica preocupado. Há um novo patamar de gastos e o governo está fazendo frente a eles com receitas que não necessariamente se reproduzirão no futuro. E estamos perdendo tempo para fazer o que interessa - avalia Levy.
Só as despesas do Tesouro - onde estão computados gastos de manutenção da máquina pública e investimentos, de pessoal, com benefícios sociais (Loas) e subsídios - chegaram a R$102,03 bilhões, o que representa alta de 14,1% sobre o primeiro semestre do ano passado.
Os gastos com custeio e capital foram de R$53,192 bilhões e tiveram uma elevação de 16,9% sobre 2005. As despesas com pessoal e encargos sociais foram de R$48,54 bilhões - alta de 11,38%. Já a Previdência registrou R$74,2 bilhões em gastos, 13,9% mais do que no primeiro semestre do ano passado.
Kawall destacou que as despesas ainda vão sofrer o impacto do reajuste da maior parte do funcionalismo público, que somará R$1,7 bilhão a partir de agosto. Mesmo assim, ele disse que o governo ainda não vê a necessidade de fazer ajustes ou novos contingenciamentos.