Título: Agricultura vê perdas com suspensão de Doha
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 26/07/2006, Economia, p. 25

CNA estima que Brasil deixará de exportar US$10 bi por ano, devido à manutenção de subsídios nos países ricos

BRASÍLIA e GENEBRA. A suspensão, por tempo indeterminado, das negociações da Rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), foi considerada um duro golpe para o agronegócio brasileiro. Segundo o diretor de comércio exterior da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Donizete Beraldo, em uma estimativa conservadora, o país deixará de exportar US$10 bilhões por ano, devido à manutenção dos diversos obstáculos impostos pelos países desenvolvidos, como tarifas elevadas, cotas e subsídios.

- Quem ganhou foram os produtores americanos e, em seguida, os europeus, que pelo menos estão revendo sua política agrícola - afirmou.

Em editorial, o jornal britânico "Financial Times" expressou ontem a mesma opinião. Além disso, segundo o diário, ao chamarem Doha de "rodada do desenvolvimento", a liberalização comercial acabou "espremida entre ativistas piedosos que não acham que o comércio pode ajudar os países pobres e lobistas impiedosos que não se importam com isso".

O ativista francês antiglobalização José Bové mostrou ontem ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, sua satisfação com o impasse:

- Expressamos nossa reivindicação de que, tendo em vista o fracasso das negociações, a OMC já não deve regular o comércio agrícola entre os países, que só representa 10% da produção mundial.

Aposta agora é em acordos bilaterais e ações na OMC

Já Lamy disse que a situação ficará mais grave se os países não retomarem as discussões após um período de reflexão - que, para ele, seria uma "parada tática", como nos jogos. Mas o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, não vê uma retomada a curto prazo:

- Duvido que seja logo.

Para compensar essa perda, representantes dos setores agrícola e industrial apostam em acordos regionais e bilaterais, com destaque para a União Européia (UE). O diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Régis Arslanian, acredita que UE e Mercosul voltarão a conversar em setembro. Ele contou ter sido procurado na semana passada pelos europeus para dar prosseguimento às negociações. Mas assegura:

- Não será por causa da falta de resultados em Genebra que vamos fechar acordo com a UE a qualquer preço.

A hipótese levantada segunda-feira passada pelo chanceler Celso Amorim, de que o fracasso na OMC levaria ao aumento do número de contenciosos, é plausível, segundo especialistas e técnicos da área de comércio exterior do governo. Teoricamente, depois das ações vitoriosas do Brasil contra Estados Unidos e UE, envolvendo, respectivamente, algodão e açúcar, estariam na fila leite, arroz e soja, produtos fortemente subsidiados pelo governo americano. Mas os produtores brasileiros estão se sentindo desestimulados para partir para a briga.

- Não vejo muita disposição dos produtores, porque o Brasil ganha mas não leva - afirmou Beraldo, da CNA.

Segundo ele, há uma queixa geral quanto ao desempenho do governo brasileiro na OMC. Beraldo lembrou que, embora tenha sido autorizado a retaliar os americanos em cerca de US$1 bilhão, o Brasil ainda não se moveu no sentido de negociar um bom acordo. O diretor da CNA disse que uma ação no organismo não sai por menos de US$3 milhões.

- Diante disso, os produtores se sentem desencorajados - confirmou o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro Camargo Neto.

O diretor do Departamento de Comércio Exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Humberto Barbatto, concorda com essa tese, mas não duvida do crescimento do volume de litígios. Para ele, os acordos regionais e bilaterais "são a única saída".

(*) Com agências internacionais

embates do país no comércio exterior

Vitórias na OMC:

ALGODÃO: A OMC condenou os subsídios domésticos dados aos produtores americanos.

AÇÚCAR: O Brasil ganhou uma ação na OMC contra a União Européia, por causa dos subsídios às exportações que, segundo os negociadores brasileiros, distorcem o preço do produto no mercado internacional.

FRANGO: Os europeus tiveram de voltar atrás na tarifa de 70% aplicada sobre as importações de frango em pedaços do Brasil.

O que pode ir à disputa:

PRODUTOS BÁSICOS: O alvo principal são os Estados Unidos, por conta dos subsídios domésticos. São eles soja, leite e arroz. Já se cogitou, também, a possibilidade de um painel (comitê de arbitragem) na OMC por causa do tratamento discriminatório que o estado da Flórida dá ao suco de laranja brasileiro. O governo da Flórida cobra um imposto dos produtores locais e os recursos são usados para fazer publicidade e promoção de frutas e produtos cítricos da região.

CAFÉ SOLÚVEL: A indústria de café solúvel brasileira pode entrar com uma reclamação formal contra a União Européia alegando tratamento discriminatório em comparação a outros fornecedores.