Título: SANGUESSUGAS NAS PREFEITURAS
Autor: Maria Lima e Alan Gripp
Fonte: O Globo, 26/07/2006, O País, p. 3

Depoimento do empresário Trevisan Vedoin mostra como era distribuída a propina

Mais do que jogar lama sobre a atuação de cerca de um quinto do Congresso, o depoimento do empresário Luiz Antonio Trevisan Vedoin, prestado durante nove dias à Justiça Federal, revela que deputados e senadores não só receberam propina para apresentar emendas que favoreciam à quadrilha como também operaram pessoalmente o esquema de fraudes nas licitações feitas pelas prefeituras para a compra de ambulâncias e outros equipamentos. O documento, obtido com exclusividade pelo GLOBO, mostra que cabia também aos parlamentares cooptar prefeitos para direcionarem as licitações em favor da Planam e de dezenas de outras empresas criadas em nomes de laranjas, para abocanharem as emendas. Os encontros dos deputados e senadores com os prefeitos, muitos com a presença de Vedoin e seus representantes, davam-se nos gabinetes do Congresso e em hotéis, escritórios e até em chácaras.

O documento, de 150 páginas, foi enviado pelo Ministério Público à CPI dos Sanguessugas, que já notificou até agora 90 parlamentares envolvidos para apresentarem defesa. No depoimento, Vedoin contou que as propinas nem sempre eram pagas em dinheiro. Os parlamentares receberam presentes que incluíram carros de luxo, passagens para Nova York para parentes, ônibus para campanha, aparelhos de ultra-som e até uma máquina de café para o gabinete do falecido líder do PTB José Carlos Martinez.

Segundo Vedoin, pelo menos 40 parlamentares operaram pessoalmente o esquema de fraudes nas licitações. O dono da empresa Planam diz, por exemplo, que o deputado João Caldas (PL-AL), afastado da Mesa da Câmara, recebeu pessoalmente, em espécie, propina de R$50 mil, além de outras comissões pagas a assessores. Coube ao segundo-secretário da Mesa organizar encontros com prefeitos para tratar das licitações.¿O próprio parlamentar organizou reunião com prefeitos em seu escritório em Maceió, na qual o interrogando (Vedoin) esteve presente, onde foram acertados os detalhes acerca do direcionamento das licitações¿, diz o depoimento.

¿Conta corrente de pagamentos¿

O mesmo fez o deputado Cabo Júlio (PMDB-MG), que Vedoin diz ter estabelecido com ele uma espécie de ¿conta-corrente contábil de pagamentos¿, à medida que as suas emendas eram empenhadas e pagas. ¿O parlamentar reuniu todos os prefeitos em uma chácara que possui no município de Belo Horizonte, na qual o interrogando também estava presente, que foi nessa oportunidade que foram acertados os detalhes acerca do direcionamento das licitações¿, disse Vedoin ao juiz Jeferson Schneider. Outra reunião foi realizada com prefeitos, na mesma chácara, na presença, desta vez, de um representante de Vedoin.

Cabo Júlio, segundo Vedoin, recebeu da Klass e outras empresas da família dois cheques de R$50 mil cada, a título de garantia pela apresentação das emendas. Mais tarde esses cheques foram resgatados e trocados por pagamentos de R$33 mil, R$25 mil e mais R$25 mil. Já Reginaldo Germano (PP-BA), que, segundo Vedoin, recebeu depósito de R$15 mil em sua conta pessoal a título de acordo de 10% sobre o valor de suas emendas, fazia acertos com os prefeitos por meio de sua assessora Suely Almeida Bezerra.

Um dos integrantes da bancada evangélica, Pastor Amarildo (PSC-TO) exigiu da máfia o pagamento adiantado de R$50 mil, antes da apresentação das emendas. Para fazer o contato com os prefeitos que fraudariam as licitações, Amarildo recebeu da Planam um microônibus de R$40 mil.

O depoimento servirá de defesa para pelo menos dois deputados incluídos na lista da CPI: o terceiro- secretário Eduardo Gomes (PSDB-TO), afastado da Mesa, e Paulo Magalhães (PFL-BA). Em relação aos dois, Vedoin diz que não fez qualquer acordo de pagamento de propina.