Título: Lados do pacote
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 27/07/2006, Economia, p. 28

Uma das críticas ao pacote cambial é que ele seria inócuo para o objetivo declarado, que é aumentar a cotação do dólar. A primeira reação do mercado pareceu confirmar essa análise. A outra critica é que não se pode mudar uma lei que funciona há 70 anos por uma preocupação conjuntural. O ministro Guido Mantega diz que ¿a tendência do dólar mais fraco não é conjuntural, vai continuar nos próximos anos¿.

O pacote tem vantagens, como a de reduzir a burocracia nas operações cambiais dos exportadores e permitir que parte dos dólares fique no exterior. Mas não tem o impacto que se esperava que tivesse. Os analistas vinham dizendo que o dólar não se valorizaria do dia para a noite com as medidas cambiais. Ontem mesmo, caiu em vez de subir.

Para o ministro, o efeito não será sentido a curto prazo, ele acha que o mais importante é que as medidas estão ¿modernizando¿ o aparato cambial do país.

¿ Estamos saindo da lógica da escassez de dólares para a do excesso. Agora, será permitido que parte dos dólares fique no exterior e que, sobre ela, não se pague CPMF, o que reduzirá o custo. Mas a Receita não perderá o controle desse capital, pois as empresas terão que declarar ¿ explica.

Perguntei a ele se não seria um erro mudar uma lei de 1933 apenas porque, neste momento, os exportadores estão reclamando do dólar fraco.

¿ A medida não é conjuntural, pois o dólar mais fraco não é passageiro; é uma tendência. É resultado do novo status do Brasil no comércio internacional, do consistente superávit em transações correntes, dos fundamentos sólidos, da melhora do rating do país. Tudo isso nos leva à valorização do real frente ao dólar. Hoje o Brasil é um país visado pelos investidores, novos investimentos entrarão e, quanto mais sólidos forem os fundamentos, quanto melhor for a composição da dívida, mais o risco cairá e mais investimentos teremos. Essas medidas atenuam a valorização do real, mas não haverá uma inversão da tendência.

A fraqueza do dólar não é apenas conseqüência das virtudes do Brasil, mas dos pecados da economia americana. Nos últimos quatro anos, o dólar perdeu valor em relação à maioria das moedas do mundo. No Brasil, caiu mais; não apenas pelas nossas virtudes, mas também pelos problemas: a taxa de juros excessivamente alta. Seja como for, a queda do dólar não é um episódio passageiro. Portanto, os exportadores brasileiros não terão, em nenhuma medida mágica, a solução para seus problemas.

O ministro Mantega acha que o pacote que anunciou ontem fará diferença. Será, como ele disse, ¿uma desoneração tributária e operacional¿ dos empresários que atuam no comércio exterior. Tanto pelo fato de os exportadores poderem deixar 30% dos seus dólares lá fora, quanto por suprimir a obrigatoriedade de fechamento de câmbio para a importação, quanto pela simplificação dos processos nas operações de câmbio no Banco Central. Chega a ser irônico que o PT, que defendeu durante tantos programas partidários e tantas eleições a centralização cambial, esteja fazendo mais liberalização.

Outra medida foi a de permitir o registro como capital estrangeiro nos processos de conversão de dívida que à época não puderam ser registrados. O ministro disse que isso afetará positivamente muitas multinacionais:

¿ Em algum momento daquele processo de conversão de dívida, as empresas foram impedidas de registrar todo o dinheiro convertido em investimento. Mas esse dinheiro está contabilizado em real. Agora esse capital poderá ser registrado como investimento estrangeiro, o que permitirá mais remessas de dividendos. Aumenta o fluxo de saída de dólares.

Emilio Garófalo, ex-diretor da área externa do BC, hoje na Fiesp, comenta que a mudança corrige um problema contábil. Ele cita um exemplo: uma empresa trouxe o capital para um investimento que não fez no tempo certo. A remuneração no banco sobre o capital não entrava como investimento estrangeiro nos seus dados, então ela não podia enviar como lucro. Ele conta que o BC chegava a chamar o montante de ¿capital contaminado¿.

A permissão de que reais sejam usados no Free Shop não tem efeito algum, exceto corrigir o que Guido Mantega considera ser uma distorção:

¿ Desvaloriza a moeda nacional não poder ser usada nas compras nos Free Shops.

No geral, Garófalo está comemorando as mudanças anunciadas ontem:

¿ É o fim de um tabu de 75 anos. Não vai ter nenhum impacto no câmbio a curto prazo, mas no médio e longo. Além disso, reduz muito os custos de transação.

A medida é muito boa para exportadoras, como a Vale do Rio Doce, cujos 75% da receita vêm de exportações, e a Petrobras. O presidente da Petrobras, José Gabrielli, diz que só o não-pagamento de CPMF sobre 30% dos seus US$8,7 bilhões de exportação já será um ganho:

¿ Mas, além disso, facilita a operação da companhia, reduz os processos e custos.

Se as medidas reduzirem os obstáculos para se fazer negócios no Brasil, podem ser benéficas. E, pelo menos, foram evitados alguns erros que chegaram a ser pensados: a CPMF virtual e a concessão do benefício para apenas algumas empresas de alguns setores.

¿ A medida será universal e horizontal ¿ disse o ministro Mantega.