Título: DESABASTECIMENTO JÁ ASSOMBRA O LÍBANO
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 27/07/2006, O Mundo, p. 34

Produtos básicos como remédios, açúcar e arroz começam a sumir das prateleiras e os preços disparam

BEIRUTE. Nos últimos dias o custo de vida disparou em Beirute. Produtos básicos como alguns tipos de remédios, arroz e açúcar começam a escassear nas prateleiras, enquanto seus preços sobem vertiginosamente. Comerciantes apontaram um aumento no movimento ontem, que associam às novas ameaças do Hezbollah de ampliar a área de ataques a Israel e também ao fracasso da reunião de cúpula organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Roma.

A população libanesa teme que o recrudescimento do conflito provoque uma crise de desabastecimento generalizada no país. Na maioria dos casos, a falta dos produtos é provocada pelo cerco de Israel. Os aeroportos foram destruídos (só ontem três aviões jordanianos com ajuda humanitária conseguiram pousar em Beirute), os portos estão cercados e os caminhões são os principais alvos de ataques nas estradas.

Um quilo de açúcar refinado, que custaria normalmente menos de US$1 (R$2,20) está sendo vendido por até US$3 (R$6,60) em pequenas mercearias da periferia e cidades do interior. O mesmo acontece com o arroz. O pacote de cinco quilos, que antes custava cerca de US$4,50 (R$9,90), vale o dobro longe do centro.

¿ Meu estoque está terminando e não sei quando vai chegar mais. Aumentar os preços é o único jeito de evitar que as pessoas façam estoques e os produtos acabem ¿ explicou Husseim Kahir, dono de uma mercearia em Ashrafiya, subúrbio cristão localizado a dois quilômetros do foco dos bombardeios israelenses.

Vendas aumentaram 15% em supermercado

Nas grandes redes de supermercados, que têm estoques maiores e apostam em um desfecho rápido para a crise, os preços continuam estáveis, mas não há previsão de até quando tal situação vai se sustentar.

¿ Por enquanto agüentamos segurar os preços. Mas se o consumo continuar aumentando como hoje não posso garantir nada ¿ disse Rachid Hassanie, gerente de um supermercado em Hamra, na região central.

Ele registrou um aumento de 15% nas vendas ontem e credita o fato às declarações do líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, que fez um pronunciamento na TV ameaçando aumentar o raio dos ataques e adotar técnicas de guerrilha contra Israel.

¿ Se o Hezbollah atacar Tel Aviv vai chover bombas em Beirute ¿ disse a dona-de-casa sunita Fatima Yazbek enquanto passava três pacotes de arroz pelo caixa do supermercado.

Caminhões são alvos de bombas israelenses

No Vele do Bekaa, onde carcaças de caminhões bombardeados são cena comum nas estradas, a situação é pior. Não há como transportar os produtos em quantidade suficiente. Os caminhões são os principais alvos dos ataques israelenses já que o vale é a rota mais rápida da Síria até os postos de abastecimento do Hezbollah.

Nas cidades, os vendedores não querem entregar e os compradores se recusam a buscar os produtos. Além disso, os estoques de remédios começam a diminuir na região.

¿ Fui comprar uns remédios e estranhei a conta. O dono da farmácia geralmente me dava um desconto. Ontem ele me disse que os descontos estão suspensos ¿ contou Mohamad Abduni, brasileiro radicado em Sultan Yaaqoub, no Vale do Bekaa.

Mas também existe quem transforme o medo em moeda e tente se aproveitar da situação para lucrar. É o caso de taxistas, motoristas particulares e prestadores de serviços em geral, que aproveitam a falta de mão-de-obra e o acúmulo de pessoas vindas das regiões sob ataque para multiplicar seus preços.

¿ Tudo indica que estamos caminhando para o colapso ¿ disse Abduni.