Título: Para limpar de fato
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/07/2006, O GLOBO, p. 2

O escândalo dos sanguessugas tem que ser explorado eleitoralmente. Não pelos partidos, todos respingados de sangue, mas pelos eleitores, que terão em breve a chance de trocar boa parte de seus representantes no Congresso. Neste momento o governo se esforça para mostrar que foi sua a iniciativa de investigar. E a oposição se esforça para deixar tudo na conta do atual governo.

Melhor fariam os líderes políticos mais responsáveis se firmassem agora um acordo para, concluídas as investigações e passadas as eleições, aprovar as mudanças que podem coibir o desvio de verbas públicas. E isso tem que começar por grandes mudanças na forma de fazer e executar o Orçamento, base da relação degenerada entre o Executivo e o Legislativo, hoje, ontem e anteontem.

O próprio presidente Lula fez coro com seus ministros dizendo ontem à CBN que a ação da CGU é que levou à descoberta do esquema pela Polícia Federal. Isso está, de fato, documentado. Em 2003, a CGU, ainda sob a direção de Waldir Pires, começou a sortear municípios que sofreriam auditoria do uso dos recursos federais. Na primeira leva, os técnicos esbarraram nas emendas do deputado Nilton Capixaba em Rondônia. As ambulâncias por ele aprovadas foram todas fornecidas pela Planam, a preços maiores que as compradas pelas prefeituras vizinhas. Depois, foram encontrando a Planam e associadas fazendo o mesmo em outros municípios. Está documentada também a transmissão dessas informações à Polícia Federal, que passou 2005 inteiro investigando o esquema estourado este ano pela Operação Sanguessuga. Está demonstrado que a Planam atua em Brasília desde 1998 e o esquema funciona desde 2000. Deputados da base de FH participavam dele, passaram a apoiar Lula e a vida seguiu. Mas Vedoin continuou a operar porque encontrou guarida no novo governo, refez suas conexões.

¿ A CPI entrou no caso a reboque da PF e da CGU e recebeu tudo mastigado. É ótimo que some forças e acelere o julgamento político dos envolvidos. Seu problema é o vazamento seletivo de nomes. Se queremos extirpar o tumor, não podemos omitir nem destacar informações ¿ diz o ministro da CGU, Jorge Hage.

Documentos da CGU tratam ainda de mostrar que a farra foi maior no governo passado. Entre 2000 e 2004, as prefeituras adquiriram 2.034 ambulâncias destinadas por emendas. Desse total, 681 contratos suspeitos de fraude foram firmados com a Planam. Entre 2003 e 2004 foram 210 contratos suspeitos feitos com a Planam, num total de 1.009. Quando divulga esses dados, a CGU tenta neutralizar a percepção de que tudo começou na era Lula. Ela existe mesmo, favorecida pela ocorrência de outros escândalos. Mas a disputa sobre quem tem mais sanguessugas não resolve nada, e ainda prejudica a compreensão das engrenagens que tudo facilitam. A engrenagem do Orçamento, que começa na Comissão Mista do Congresso, passa pelos ministérios e termina nas prefeituras. Para reformá-la, será preciso mudar os ritos. Autor da emenda que torna impositiva a execução do Orçamento, o senador Antonio Carlos Magalhães conclama:

¿ Sanguessugas são filhos bastardos do Orçamento autorizativo. O deputado aprova a emenda, o governo não executa ou o chantageia para ter seu voto. Nesse pântano surgem mafiosos como este Vedoin, que usam as emendas para fazer corrupção. Todos os candidatos a presidente, inclusive o meu, deveriam defender o Orçamento impositivo ¿ diz ACM.

Afora Heloísa Helena, nenhum se comprometeu. Alegam o risco de descontrole do gasto público. ACM pondera que a receita estimada no Orçamento tem sido sempre superada pela arrecadação. Poderíamos ainda começar aos poucos, tornando inicialmente obrigatória só a execução das emendas individuais. Hoje cada deputado pode destinar até R$5 milhões a seus municípios. Sabem que muito pouco disso sairá. Com emendas menores mas garantidas, as máfias ficariam fora do jogo e a chantagem política do Executivo seria mitigada.