Título: GAYS DRIBLAM FALTA DE LEI E REGISTRAM PACTO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CARTÓRIO
Autor: Alessandro Soler
Fonte: O Globo, 28/07/2006, Rio, p. 18

Para divulgar a alternativa, 6º Ofício manterá carro na Parada do Orgulho

Para driblar a morosidade do Congresso, que há 11 anos recebeu o primeiro de uma série de projetos e emendas autorizando a união civil entre pessoas do mesmo sexo, sem nunca votá-los, casais gays buscam outras soluções. Uma média de cinco pactos de união estável tem sido registrada todo mês, este ano, só no 6º Ofício de Registro de Títulos e Documentos, no Centro. Segundo a oficial registradora do cartório, o pacto é prova jurídica de união estável e pode ser útil em litígios por herança, por exemplo.

O 6º Ofício, que iniciou campanha pelo registro, terá até um carro na 11ª Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneres, neste domingo na Praia de Copacabana. O cartunista Miguel Paiva criou dois desenhos para a campanha. Num deles, dois bonequinhos aparecem juntos, aludindo à união civil.

¿ Meu parceiro e eu optamos pelo pacto porque ele tem sido decisivo em disputas por herança. O banco onde meu companheiro trabalha acabou estendendo a mim plano de saúde e pensão em caso de morte. Poucos gays sabem que dispõem desse instrumento ¿ diz um advogado que prefere ser identificado apenas como Paulo, temendo que o parceiro sofra constrangimentos no banco e entre parentes que não aceitam sua condição homossexual.

O estilista Carlos Tufvesson, que há 11 anos vive com o arquiteto André Piva em união estável não oficial, considera que o assunto não tem sido bem debatido pelos movimentos gays. Ele conta que já pensou em buscar alternativas jurídicas à ausência da lei, no afã de garantir a herança no caso da morte de um deles:

¿ Mas os instrumentos de que dispúnhamos, como testamentos e pactos que não dão a dimensão exata da nossa união, eram degradantes. Sou um cidadão trabalhador, que paga impostos e não tem direitos constitucionais elementares assegurados. Não quero subterfúgio, quero cidadania.

Sem ter um instrumento que oficialize sua parceria com outro homem, o estilista Almir França passou por um constrangimento há um mês. Ele conta que o parceiro, o escriturário Denílson Vieira, sentiu-se mal na rua e foi levado para o Hospital de Bonsucesso. Almir foi impedido de ficar ao lado dele. Quando tentou uma transferência para uma clínica particular, pelo plano de saúde, não foi considerado representante de Denílson.

¿ Orientado por uma assistente social, procurei o plantão judiciário do Tribunal de Justiça e obtive uma sentença favorável. Acompanhado de um oficial de justiça, voltei ao hospital e contatei o plano de saúde. Fui reconhecido como companheiro de verdade. Foi emocionante ¿ lembra Almir, que agora fará o pacto.

Para a oficial registradora do 6º Ofício, Sônia Maria dos Santos, a assinatura do pacto dá publicidade e faz valer a vontade dos parceiros. Outra alternativa tem sido a lavratura de uma escritura pública de convivência, caminho escolhido por duas profissionais liberais esta semana, como informou ontem a coluna Gente Boa. Alan Borges, presidente da Associação dos Registradores do Rio, que fez o registro da escritura delas na 5ª Circunscrição de Registro Civil, em Copacabana, considera o documento protetor:

¿ Na escritura deixamos clara a natureza da relação homoafetiva e fazemos constar o que os parceiros querem que ocorra com os bens. Como toda escritura, tem validade jurídica.