Título: SOB A SOMBRA DA INFORMALIDADE, UM PIB DE R$248 BI
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 30/07/2006, O País, p. 3

Baixo crescimento, excesso de impostos, regulação e burocracia são as principais causas do problema

Ovalor da produção informal do Brasil chegou a R$600 bilhões em 2005, gerando riquezas equivalentes a um Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente R$248 bilhões, segundo estimativa de técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pelo dólar médio do ano passado, este valor chegou a US$102 bilhões, bem maior que toda a economia de nações como o Egito (U$93 bilhões) ou a Colômbia (US$98 bilhões). Enfrentar o problema é um desafio para os candidatos à Presidência da República (leia o que pretendem fazer na página 9).

¿ Este é o país do futebol e da informalidade. No futebol há mais espectadores do que praticantes. Na informalidade é o contrário ¿ diz o economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Baixo crescimento, excesso de carga tributária, de regulação e de burocracia estão entre as principais causas da informalidade, que acaba sendo um problema e uma solução. O brasileiro aprendeu a driblar a falta de emprego e de renda fazendo bico, mas com isso deixa de pagar impostos, vivendo à sombra.

¿ Nas atividades têxtil, de transporte de cargas e de confecções, a informalidade salta aos olhos ¿ diz o gerente do Departamento de Contas Nacionais do IBGE, Carlos Sobral.

Informalidade voltou a crescer em 2003

Para calcular o PIB do país, o IBGE usa dados próprios, como os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e registros formais de órgãos e instituições públicos ou privados. As informações são confrontadas com as declarações de gastos das famílias, obtidas pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). Se a produção é menor do que o gasto, o valor que falta corresponde à atividade informal. Esta parcela, chamada tecnicamente de expansão da produção, é o que transcende as estatísticas formais.

A economia informal vinha perdendo participação no PIB, mas voltou a crescer em 2003. Naquele ano, enquanto o PIB avançou 15,6% (se considerada a inflação, ficou estagnado em 0,54%), a parcela informal aumentou 16,2%. A estimativa para 2005 considerou a hipótese de, naquele ano, a proporção das atividades não registradas ter sido a mesma de 2003, de 12,75% do PIB, último dado oficial disponível.

¿ Sem crescimento, diminuem as melhores oportunidades de emprego e renda, com carteira assinada e salários mais altos. As pessoas buscam alternativas como bicos ¿ diz outro economista da Coordenação de Contas Nacionais, Gélio Bazoni.

¿Este é mesmo o país do jeitinho¿

Para Neri, a redução da informalidade (exceto em 2003) é um mistério. Pode estar relacionada ao crescimento econômico puxado pelas exportações, setor formal intensivo. Segundo ele, as reformas"meia sola" realizadas a partir dos anos 90 ¿ como o Simples ¿ também podem estar gerando frutos agora, diz. Outra hipótese é o crédito consignado, com desconto em folha de pagamento e dos aposentados, ter aumentado as vantagens da formalização. Ter registro dá acesso a esse tipo de crédito.

Mas o consultor Ricardo Neves lembra que as atividades não registradas podem ser maiores do que calcula o IBGE. O relatório Doing Business 2004, do Banco Mundial, estima em 39,8% a parcela informal da economia brasileira.

¿ A estimativa do IBGE é conservadora. Há cadeias produtivas inteiras que não são contabilizadas ¿ afirma Neves.

Segundo ele, aqui a informalidade é tão grande que até as multinacionais querem entendê-la. Algumas mandam funcionários para favelas, como a do Morro do Alemão, no Rio, para estudar o tipo de vida das pessoas e fazer planos de negócios focados naquele público.

¿ Existe um país na sombra ¿ acrescenta.

A informalidade é grande e está acima da média internacional de 32,5%, verificada em 133 países analisados pelo Banco Mundial.

¿ Independentemente da metodologia, há excesso de informalidade ¿ analisa Neri. ¿ Este é mesmo o país do jeitinho ¿ diz ele.

Mais crescimento, desregulação e menos imposto são as principais propostas dos especialistas para aumentar a formalização. Uma das causas do problema é a pesada carga tributária (federal, estadual e municipal), que segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), chegou a 40,69% do PIB em 2005.

¿ Se todos pagassem os impostos direitinho, a carga no Brasil chegaria a 60% do PIB ¿ afirma Neri.

Para compensar as perdas na arrecadação, o governo taxa mais a parte formal da economia, opina Aloísio Araújo, professor da FGV. O problema é que, mantendo a informalidade alta, as escalas de produção permanecem pequenas e limitam o crescimento da economia como um todo, acrescenta.

Tratamento especial para os pequenos

A obsolescência da legislação trabalhista também faz com que empregadores fujam das leis trabalhistas. Esta é uma das razões para 60% da força de trabalho do país, ou cerca de 48 milhões de pessoas), estarem na informalidade, diz o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.

¿ É uma situação extremista e excludente porque cria os trabalhadores com direito a tudo e os que não têm direito a nada ¿ diz.

Segundo Everardo, os encargos trabalhistas e previdenciários correspondem a 103,46% da folha de salários ¿ exceto para as empresas enquadradas no Simples. Ele defende a criação de um Simples Trabalhista, que preserve os direitos trabalhistas, mas trate o micro e o pequeno empregador de forma diferenciada. A proposta é ter alíquotas de FGTS inferiores a 8% para micro e pequenas empresas, que poderiam ainda fracionar férias e parcelar o 13º salário, por exemplo.

Hoje existem 5,2 milhões de microempresas formais no país e 10,3 milhões informais, afirma o presidente do Conselho Temático da Micro e Pequena Empresa da Confederação Nacional da Indústria.

¿ As condições são extremamente difíceis para nascer, sobreviver e crescer ¿ diz.

Os negócios informais vivem na eterna clandestinidade, sem acesso a crédito ou possibilidade de fornecer para grandes empresas.