Título: PROPINA DE SANGUESSUGAS SOMA R$12 MILHÕES
Autor: Maria Lima e Alan Gripp
Fonte: O Globo, 30/07/2006, O País, p. 14

Chefe da quadrilha diz que, do total acertado, parlamentares e prefeitos corruptos receberam R$5,3 milhões

BRASÍLIA. O mapa da corrupção no Congresso Nacional, em prefeituras e empresas montado a partir do depoimento à Justiça Federal de Luiz Antonio Trevisan Vedoin, um dos chefes do grupo investigado pela CPI dos Sanguessugas, revela que ele e seus sócios acertaram o pagamento de R$12,8 milhões de comissões e propinas. É dinheiro destinado a parlamentares e prefeitos envolvidos no esquema de vendas superfaturadas de ambulâncias e equipamentos hospitalares nos últimos seis anos.

Com esses recursos seria possível comprar mais 213 ambulâncias para os municípios, considerando o valor pago de R$60 mil por veículo pelo Ministério da Saúde. Desses R$12,8 milhões, Vedoin já declarou ter desembolsado cerca de R$5,3 milhões em dinheiro ou presentes, sendo R$4,3 milhões para deputados e senadores; e R$1 milhão para prefeitos.

Valor pago pode ter sido maior

O valor pago pela família Vedoin, entretanto, pode ter sido muito maior. Em seu depoimento, o empresário dono da Planam, empresa que fornecia as ambulâncias que foram superfaturadas, relata casos em que fez o acordo, mas não se lembra do valor efetivamente pago de comissão ao parlamentar ou a seus assessores. Em outros, ele diz ter pago mais do que ficou acertado previamente. Normalmente, segundo ele, um percentual correspondente ao valor das emendas. Há situações, por exemplo, que o chefe da quadrilha fazia antecipações, com a promessa de apresentação futura de novas emendas, o que às vezes não ocorria.

Pouco mais de R$1 milhão, segundo Vedoin, foi entregue aos suspeitos em dinheiro vivo. E a maioria das operações, conta ele, foram feitas nos gabinetes do Congresso. Nesta contabilidade, entram os acordos de comissão ¿ cujos percentuais variavam entre 10%, 12% e 15% do valor das emendas ¿ fechados com cerca de 15% do atual Congresso, e pelo menos duas dezenas de ex-deputados.

¿Processo penal é feito para não punir¿

Frustrado com a batalha jurídica infrutífera do Tribunal de Contas da União e da Advocacia Geral da União (AGU) para tentar reaver recursos públicos desviados, o procurador-chefe do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, revela completo desalento quando à punição dos envolvidos e recuperação desses milhões da máfia dos sanguessugas. Ele diz que há um total desmonte do Congresso Nacional e completa falência do sistema de elaboração do Orçamento, com brechas que permitem as fraudes.

¿ O processo penal é feito para não punir. Historicamente, se recupera menos de 1% dos milhões roubados dos cofres públicos. As chances de punição e recuperação dessa dinheirama são mínimas. Desviar é fácil, mas recuperar é muito difícil, porque é necessário seguir o processo legal e há profissionais altamente aparelhados para proteger esse patrimônio do crime. É como tentar resgatar o cheque de um estelionatário ¿ diz Furtado.

Os números da fraude assustam também o presidente da CPI, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). Ele observa que, além dos empresários da máfia, congressistas e prefeitos se beneficiavam com dividendos financeiros e políticos. Biscaia alerta que é preciso mudar o sistema de elaboração do Orçamento, acabando definitivamente com as emendas individuais, onde está a maior brecha para as negociatas. Se se descobriu um filão de fraudes em ambulâncias, diz o presidente da CPI, a possibilidade de desvio nas emendas de bancada cujos valores são infinitamente maiores, é grande.

¿ Os números são assustadores e escandalosos. A dimensão da corrupção é espantosa. Por que não pode ter máfia também para fraudar as grandes obras de infraestrutura, com as grandes empreiteiras? Esses esquemas de corrupção com emendas do orçamento são cíclicos. Se descobrimos um hoje, amanhã tem outro esquema operando por outro lado e volta tudo de novo. Eu fico num estado realmente de desalento. Mas temos que ter firmeza e coragem para enfrentar isso ¿ declara Biscaia, que se preocupa especialmente com o esvaziamento do Congresso às vésperas da eleição para levar á frente os processos de cassação.

Mesmo tendo provocado um prejuízo aos cofres públicos, Vedoin tem dito a seus advogados que também se sente lesado em relação aos adiantamentos feitos a parlamentares, que não cumpriram a promessa de apresentar as emendas nos valores combinados. Segundo um de seus interlocutores, Vedoin quer receber de volta todo o dinheiro que adiantou aos parlamentares. As empresas da família, dizem seus defensores, estão em dificuldades desde antes do estouro do escândalo e tem dívidas com a Receita Federal. Eles trabalhavam, segundo os advogados, com uma margem mínima de lucro, porque a propina era muito alta.

COLABOROU Jailton de Carvalho

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