Título: CHINA IMPORTA PILOTOS BRASILEIROS
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 30/07/2006, Economia, p. 37

Companhias aéreas chinesas contratam experientes profissionais demitidos no Brasil

Enquanto a Varig demite no Brasil, empresas aéreas chinesas de médio porte ¿ as que mais crescem no superaquecido mercado de aviação da China ¿ estão contratando os já treinados e experientes pilotos brasileiros que saem de companhias como Varig, Rio Sul, Vasp e Transbrasil para comandar suas frotas, especialmente aeronaves Boeing 737 e Airbus 320.

A Shenzhen Airlines, por exemplo, acaba de contratar 43 pilotos brasileiros, a maioria da Varig e da Rio Sul, enquanto a Air Macau está contratando 16 co-pilotos a partir de agosto, todos da Varig e Rio Sul. Estes profissionais vão se juntar aos 15 pilotos do Brasil que já trabalham para a Shenzhen e aos 40 pilotos que já estão na Air Macau, o que significa que a China tem cerca de 115 pilotos brasileiros trabalhando no país desde 2001, quando a crise na aviação civil do Brasil se agravou.

¿ O que se vê aqui é um momento de expansão da indústria de aviação chinesa ao mesmo tempo em que a aviação brasileira passa por sua maior crise ¿ diz Armindo Viriato Souza Freitas, que trabalhou por 16 anos na Varig até ser contratado, em 2003, como gerente do Departamento de Aviação da Shenzhen Airlines. ¿ Há uma necessidade de se contratar pilotos experientes que possam tocar uma indústria que cresce a taxa de 15% ao ano, como é a chinesa.

De fato, segundo o vice-ministro da Administração Chinesa de Aviação Civil, Gao Hongfeng, a China vai duplicar sua atual frota, de cerca de 870 aviões para 1.580, até 2010. E os investimentos para fazer frente a este crescimento, num país de dimensões continentais como a China, serão de US$17,4 bilhões nos próximos cinco anos, segundo a Comissão de Administração e Supervisão de Ativos Estatais do país. Ano passado, as 27 companhias de aviação da China foram responsáveis pelo transporte de 138 milhões de passageiros, um volume 15,5% maior que o de 2004.

E, neste ambiente, as companhias estabelecem metas ambiciosas. É o caso da Shenzhen Airlines, uma empresa cujo controle acionário é dividido entre um grupo de investidores privados chineses, a Air China e a prefeitura de Shenzhen. Com a administração nas mãos dos investidores privados, a empresa, de cerca de 2.000 funcionários, voa não apenas na China, mas para o exterior (Malásia, Tailândia, Sri Lanka, entre outras rotas) e pretende ter 120 aviões até 2014 (hoje são 38).

A própria companhia aérea pediu que Souza Freitas montasse uma empresa que os ajudasse a contratar pilotos estrangeiros experientes o mais rápido possível. Em 2004, o piloto brasileiro fundou a Vega Aviation, responsável pela contratação da maioria dos pilotos brasileiros que trabalham na China hoje.

¿ O mercado de mão-de-obra para aviação mundial trabalha com grandes empresas de contratação, como a inglesa Parc Aviation ou a Contractair, que ficam de olho nos países onde há oferta de mão-de-obra qualificada, como o Brasil hoje ¿ diz Souza Freitas. ¿ Nós acabamos ganhando mercado na China pelo momento infeliz pelo qual passa o setor aéreo brasileiro, que hoje exporta pilotos por causa das crises da Vasp, Transbrasil e, agora, da Varig.

Aproveitamento no Brasil é pequeno

Para os pilotos brasileiros que foram demitidos pelas companhias aéreas ao longo dos últimos anos, trata-se de uma opção interessante de trabalho, ao menos enquanto o mercado nacional não se recupera. É o que pensa Reginaldo Teixeira, ex-piloto da Varig por 18 anos e demitido num dos programas de enxugamento da empresa em 2002, que há dois anos trabalha para a Shenzhen Airlines:

¿ Da mesma maneira que a China está comprando todos os recursos básicos no mundo para garantir o seu crescimento o mais rápido possível, eles querem bons pilotos rapidamente e sabem onde procurar.

Teixeira, que foi vice-presidente da Associação de Pilotos da Varig e participou de muitas reuniões para ¿salvar¿ a empresa, acha que a exportação de pilotos brasileiros para a China é uma solução interessante, enquanto o setor de aviação do Brasil não termina sua reestruturação.

Segundo Souza Freitas, as empresas aéreas chinesas estão pagando aos pilotos estrangeiros de aeronaves Boeing 737 um salário de cerca de US$8.750 (algo em torno de R$19 mil), incluindo benefícios ¿ como anuênio, auxílio moradia e passagens grátis ¿ enquanto os salários no Brasil estão perto de US$4 mil (R$8.760) para a mesma aeronave. O processo de seleção exige um teste local, com provas de simulador e questões específicas, além da exigência de comprovação de no mínimo 500 horas de vôo nos últimos seis meses.

¿ Quando eu estava na associação, pedimos ao governo uma ajuda para realocação dos pilotos brasileiros, porque uma hora de treinamento nos simuladores de vôo, a título de atualização da carteira de piloto, custa cerca de US$4 mil, um valor que um piloto desempregado não tem facilmente ¿ diz Reginaldo Teixeira.

Especialistas brasileiros dizem que a média salarial de pilotos brasileiros que fazem vôos internacionais varia de R$17 mil a R$19 mil brutos, se os pilotos voarem dentro do limite da regulamentação do setor ¿ 85 horas por mês ou 230 horas por trimestre. Esses pilotos recebem adicional por voar à noite. Para os que trabalham no mercado doméstico, o salário bruto oscila entre R$8 mil a R$12 mil.

Além das contratações para a China, a Vega Aviation também começa a intermediar a contratação de pilotos para empresas da Índia, outro mercado em rápida expansão na Ásia. Cerca de dez pilotos brasileiros estão sendo contratados para a Índia Express, uma subsidiária da Air India.

¿ Pilotos de aeronaves não são mão-de-obra barata, mas qualificada. É uma pena que o mercado de aviação civil do Brasil passe por uma crise tão grande a ponto de se tornar um exportador de mão-de-obra qualificada para outros países ¿ diz Reginaldo Teixeira.

O reaproveitamento dos funcionários da Varig ainda é tímido no Brasil, diz a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziella Baggio, apesar das expectativa favoráveis para o setor. Graziella espera um crescimento acima de 20% para o mercado em 2006.

¿ Minha expectativa é que esse quadro seja superado. Solicitamos ao SNEA (sindicato que representa as companhias aéreas) que incentivem a contratação de funcionários da Varig. O SNEA tem uma bolsa de empregos para esse fim ¿ explica Graziella

Fontes que acompanham o setor afirmam que somente no mês de junho a TAM contratou 45 aeronautas (pilotos e comissários de bordo) e que a OceanAir teria contratado 600 empregados, entre pilotos, comissários e pessoal que atua no atendimento em terra, a maioria deles ex-funcionários da Varig. Em junho e julho, a GOL contratou 70 pilotos e comissários que trabalhavam na Varig.

COLABOROU Erica Ribeiro

TAM INVESTIRÁ NO RIO PARA GANHAR MERCADO, na página 45