Título: LIVRO DISCUTE DILEMAS DO BRASIL ÀS VÉSPERAS DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
Autor: Paulo Thiago de Mello
Fonte: O Globo, 30/07/2006, Economia, p. 38

Intelectuais refletem sobre as variadas opções que o país tem pela frente

À beira das eleições presidenciais, a editora Jorge Zahar pôs a mão no vespeiro e perguntou a seis ilustres intelectuais se haveria jeito para o Brasil. A questão é de extrema pertinência, sobretudo porque desloca, pelo menos nesse contexto, o debate eleitoral dos sofismas enganosos e do bate-boca chulo das campanhas, levando-o para uma esfera de reflexão mais séria sobre os dilemas nacionais.

Os organizadores do projeto, os jornalistas Arthur Ituassu e Rodrigo de Almeida, convidaram para a empreitada os cientistas políticos Fabiano Santos e Wanderley Guilherme dos Santos; os economistas Gustavo Franco e Luiz Gonzaga Belluzzo; e os jornalistas Merval Pereira e Míriam Leitão, colunistas do GLOBO. O resultado dessa discussão chega ao público esta semana no formato de livro, cujo título leva para a capa a provocação: ¿O Brasil tem jeito?¿ E, embora os seis autores ponham corajosamente os dedos nas feridas nacionais, todos são, cada um a seu modo, otimistas quanto ao jeito que se possa dar ao país.

Sim, o Brasil tem jeito, dizem eles, basta que se façam as mudanças necessárias. E este é o cerne da questão. Os diagnósticos e, conseqüentemente, os tratamentos divergem ou, pelo menos, enfocam aspectos distintos da complexa realidade nacional. O Brasil sob exame é pensado com os filtros de diferentes cores ideológicas.

Há um certo consenso de que, após os desastrosos anos 80, marcados pela hiperinflação, o país melhorou. Mas trata-se de um avanço parcial, pois não resultou em melhor distribuição de renda e maior mobilidade social.

Gustavo Franco diz que o Estado no Brasil sustenta uma sociedade de privilégios. Nesse aspecto, ele retoma a dicotomia entre a ¿casa¿ e a ¿rua¿, tese do antropólogo Roberto DaMatta, segundo a qual o país funciona em dois planos paralelos. Um refere-se à frieza das leis, a esfera da ¿rua¿; e o outro, o da ¿casa¿, às alianças e privilégios, que forjam os esquemas de apadrinhamento e corrupção.

¿O Estado sempre foi propriedade privada de poucos¿, diz Franco. ¿E por isso o Brasil nasceu desigual.¿ Essa, digamos, perversão do Estado impede que os fundamentos econômicos da sociedade floresçam adequadamente: ¿Há apenas e tão-somente a disputa pelo privilégio¿. Contra isso, Franco defende a economia de mercado, pois é ela que vai acabar, com suas leis de eficiência e meritocracia, com o sistema de privilégios.

Para Luiz Gonzaga Belluzzo, porém, a realidade da globalização mostra que é uma certa fantasia a crença de que o mercado, com suas leis, resolverá as mazelas do país. Na verdade, desde que tal fenômeno se consolidou no mundo, problemas como aumento das horas trabalhadas, desemprego e redução de salários se tornam cada vez mais evidentes, inclusive nos países desenvolvidos. Belluzzo afirma que tão nocivo quanto o Estado perdulário é o projeto que propõe deixar o mercado como regulador, num período de globalização, pois ele ¿implica uma modernização restrita da economia, com seu séquito de destruição de empregos e exclusão social¿.

Merval Pereira e Míriam Leitão concordam com Franco que é fundamental que o Estado se torne mais leve e eficiente, reduzindo seus gastos e sua presença na economia e fomentando o avanço social, sobretudo por meio da educação.

¿A valorização da educação é uma das principais razões para os primeiros sinais que apareceram, nas últimas estatísticas, de queda da desigualdade¿, diz Míriam. ¿Não há mais dúvida de que a educação é o ativo mais importante para a mobilidade social¿, afirma, por sua vez, Merval. Ambos, porém, mostram-se preocupados com os desvios nas metas de universalização do ensino.

Cientistas políticos põem fim a ilusões e estereótipos

Wanderley Guilherme dos Santos faz uma breve discussão histórica, para desconstruir certos estereótipos que turvam a visão da realidade. Um deles afirma que desde o descobrimento o Brasil não mudou, mantendo a mesma estrutura de poder. Outro aponta a existência da mesma elite, que se auto-reproduz incessantemente.

Por fim, Fabiano Santos também dedica seu texto a desmistificar ilusões. Na verdade, três delas: a suposta semelhança entre PT e PSDB; a existência, na atual eleição, de uma alternativa viável aos dois partidos; e, por fim, a importância do tema da corrupção nas eleições. Segundo ele, PT, pela esquerda, e o bloco PSDB/PFL, pela direita, lutam pelos votos do eleitor de centro, e, por isso, seus discursos são parecidos.