Título: EMPRESÁRIOS INDIANOS TÊM FOME DE NEGÓCIOS
Autor: Florencia Costa
Fonte: O Globo, 30/07/2006, Economia, p. 40

No primeiro semestre do ano, companhias do país mais do que dobraram o número de aquisições estrangeiras

MUMBAI. A Dalal Street nunca esteve tão agitada. É a versão indiana de Wall Street, no Sul de Mumbai, onde está o imponente prédio da Bolsa de Valores da Índia. Nos seus arredores, todo o burburinho do mundo empresarial: as instituições que representam a efervescente indústria indiana e os bancos. O ritmo mais frenético do que o costumeiro nos últimos tempos tem uma explicação: as empresas indianas, insaciáveis, estão indo às compras na Europa e nos Estados Unidos. O mês de junho foi recorde: os empresários do país movimentaram US$1,5 bilhão em aquisições e fusões com empresas estrangeiras.

Nos primeiros seis meses deste ano, as empresas da Índia mais do que dobraram o número de aquisições estrangeiras (85 negócios) em relação ao mesmo período do ano passado (34), segundo pesquisa da consultoria Grant Thornton. Este ano, até agora quase US$11 bilhões foram desembolsados por empresas indianas. O valor médio das aquisições passou de US$32 milhões nos primeiros seis meses de 2005 para US$47 milhões este ano.

Grandes e médios empresários se lançam nos negócios. Os que não conseguiram se transformar em multinacionais sonham com isso. Todos tentam consolidar no mundo o que vem sendo chamado de ¿a marca da Índia¿. Eles são impulsionados por 20 anos de crescimento médio anual de 6%, que em 2005 chegou a 7,7%. As empresas fincam seus pés em outros países para tentar fazer seus produtos ficarem conhecidos e serem aceitos em outros mercados. O principal alvo é a fortaleza européia: mais de 60% das aquisições em junho ocorreram lá. Em seguida vem a América do Norte, com 15% dos negócios.

Seis representantes entre as empresas bilionárias

As empresas indianas aumentaram sua presença na seleta lista das 500 fortunas globais, com seis representantes. O Banco Estatal da Índia estreou no Clube. Os outros cinco são A Corporação de Petróleo Indiana, as Indústrias Reliance, a Bharat Petroleum, a Hindustan Petroleum e a Corporação de Petróleo e Gás Natural.

Um dos setores mais vorazes é o da indústria farmacêutica, que no mundo movimenta US$500 bilhões. A Índia ocupa o quarto lugar no ranking mundial e produz 20% dos remédios genéricos do planeta. A segunda maior aquisição de uma farmacêutica indiana foi em março: a Dr. Reddy¿s Laboratories comprou por US$572 milhões a Betapharma, quarta maior produtora de medicamentos genéricos da Alemanha.

A vitória do bilionário do aço Lakshmi Mittal no embate para adquirir a belga Arcelor no início de junho foi mais um incentivo para os seus conterrâneos, apesar de a Mittal estar há 30 anos fora da Índia ¿ o empresário está radicado na Inglaterra.

Para o secretário-geral da Associação das Câmaras de Comércio e Indústria da Índia, D.S. Rawat, a aquisição da Mittal trará muitos benefícios para o país. Ele acredita que deve ajudar firmas e produtos indianos a serem aceitos mundialmente.

¿ Há uma nova arquitetura econômica e é preciso ter uma nova mentalidade para se adaptar a isso. A Índia está se transformando num jogador global ¿ opinou o ministro do Comércio, Kamal Nath.

¿ Isso é só o começo. Haverá muito mais aquisições ¿ avisa Habil Khorakiwaia, presidente da farmacêutica Wockhardt ¿ As aquisições podem determinar os vencedores da próxima década ¿ resume Malvinder Singh, presidente da Ranbaxy, maior farmacêutica da Índia.

País é o terceiro investidor do Reino Unido hoje

Com a febre das aquisições, há uma curiosa inversão histórica: há cada vez mais patrões indianos no exterior. Nas cidades alemãs de Augsburg, Bobingens, Duan, Reine, Ennepetal e Guben, por exemplo, os maiores empregadores são indianos. No ano que vem, aniversário dos 60 anos de independência do jugo britânico, os indianos vão poder comemorar de cabeça erguida. A Índia é hoje o terceiro maior investidor no Reino Unido, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão.

Segundo relatório anual da UK Trade & Investment, o Reino Unido recebeu 76 projetos de investimentos indianos, que movimentaram mais de um bilhão de libras esterlinas. Com isso, a Índia criou quase 1.500 empregos na terra da rainha.

Mas analistas indianos advertem que a aventura em searas estrangeiras pode ser perigosa. São processos delicados que envolvem quantias altas, muito jogo de cintura e sensibilidade política. Gurcharan Das, autor do Livro ¿O paradigma do elefante¿ e consultor de empresas e do governo, aconselha as indústrias indianas a focarem sua atuação e não mais atuarem em vários setores.

Pesquisa feita em maio último pela Grant Thorton com 200 mais importantes empresários grandes e médios do país mostrou que uma avassaladora maioria (81%) quer navegar nas tortuosas águas das aquisições no exterior.

¿ A economia global está desacelerando e as expectativas são baixas no mercado externo. Isso está ajudando as companhias indianas a fazer negócios a preços razoáveis ¿ explicou Hoshedar Press, diretor-executivo e presidente da Godrej Consumer Products Ltd., que integra um dos mais famosos conglomerados indianos, o Grupo Godrej.

Gary Hamel, eleito pela revista ¿The Economist¿ como o maior guru de estratégia de negócios, vai chegar em boa hora na Índia. Professor da London Business School, ele desembarca em Nova Délhi em meados de setembro e segue depois para Mumbai. Vai fazer várias palestras sobre os desafios da criação de uma empresa global para os gulosos empresários indianos.