Título: ISRAEL, O INIMIGO COMUM, UNE LIBANESES
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 30/07/2006, O Mundo, p. 48
Grupos religiosos que compõem o Líbano se reúnem em apoio ao Hezbollah e contra os bombardeios ao país
BEIRUTE. Durante décadas, drusos e xiitas se digladiam ferozmente na violenta política libanesa. Então qual é a explicação para Akram Shmait, um druso desempregado, acolher em sua casa de seis cômodos nada menos do que 25 xiitas vindos do sul do Líbano? A resposta é fácil: Israel.
Num país em que as diferenças de fé são institucionalizadas como no Líbano, a unidade política entre os 17 grupos religiosos que compõem a nação ainda é um sonho distante. Mas a existência de um inimigo comum, no caso Israel, faz com que, no dia-a-dia, os sentimentos de solidariedade e patriotismo prevaleçam e as diferenças sejam colocadas de lado.
¿ Quando há guerra, todos os libaneses são da mesma família. Não temos que ver qual a religião. O inimigo é só Israel e os israelenses não atacam só os xiitas. Quando eles bombardeiam um caminhão de remédios ou de comida, atacam toda a população libanesa ¿ explicou Aida Shmait, mulher de Akram.
O casal e os quatro filhos vivem em uma pequena casa de dois pisos em Aley, cidade nos arredores de Beirute. Akram trabalha na construção civil, um dos segmentos mais afetados pela guerra, e está desempregado desde o início do conflito. Isso não impediu que eles se dispusessem a ceder os dois cômodos do andar de baixo para que a família Termos se instalasse.
Israel apostava na divisão, dizem libaneses
Os Termos fugiram da fronteira com Israel em uma pequena van amarela na semana passada literalmente desviando das bombas israelenses pelo caminho de aproximadamente 300 quilômetros. Quando finalmente chegaram a Beirute encontraram todos os hotéis lotados. As escolas que servem de abrigo aos refugiados também estavam cheias. O jeito foi esquecer o lado religioso e apelar aos amigos.
¿ Conhecemos muita gente aqui em Aley. Uns foram perguntando para os outros até que encontramos essas boas pessoas que nos acolheram ¿ disse Mohamad Termos.
Segundo Aida, a falta de espaço não é problema.
¿ Se não tem lugar, a gente coloca no coração ¿ disse ela.
Desde o fim do domínio otomano, em 1917, a população libanesa foi formalmente dividida em 17 grupos. O critério usado foi o da religião. Legalmente não existem ateus no país. Todos têm uma religião registrada na carteira de identidade. E cada grupo religioso tem suas próprias regras, códigos morais e tribunais. Para manter o equilíbrio entre os grupos foi adotada uma série de regras na divisão do poder, como cotas. Embora nunca tenham sido escritas, estas regras valem até hoje.
O presidente deve ser cristão maronita, o primeiro-ministro, muçulmano sunita, e o presidente do Parlamento, muçulmano xiita. Os governadores das quatro províncias (Sul do Líbano, Vale do Bekaa, Monte Líbano e Norte do Líbano) não devem pertencer ao grupo dominante. Isso manteve um certo equilíbrio, mas aprofundou as divisões.
Para Faiçal Sayegh, um carioca filho de mãe mineira e pai libanês (druso) que foi governador do Sul do Líbano entre 1996 e 2004 e atualmente é deputado e dono de revistas de grande circulação no mundo árabe (entre elas a ¿Snob Magazine¿), a divisão hoje está mais ligada à disputa pelo poder:
¿ Isso é parte da política, o problema não é a religião.
Segundo ele, as disputas políticas não afetam o cotidiano da população, a não ser em casos de conflitos internos como a guerra civil (1975-1990), e a
necessidade de enfrentar o inimigo comum prevalece.
¿ Em tempo de guerra os libaneses tendem a ficar juntos. Os drusos das montanhas estão dando comida e assistência a milhares de famílias xiitas ¿ afirmou.
Para Abas Nagib Termos, primo de Mohamad, ex-candidato a deputado e presidente na região de Majeiun, no Sul do Líbano, filiado ao Amal (partido xiita aliado político do Hezbollah), é também uma questão política de ocasião.
¿ Todos sabem que se não apoiarem o Hezbollah agora, depois Israel invade o Líbano e todo mundo sai prejudicado. Não é à toa que o Ministério da Informação fez uma pesquisa na qual 76% apóiam as ações do Hezbollah ¿ disse ele.
Segundo Abas, Israel apostou que os ataques dividiriam ainda mais a população, que forçaria o Hezbollah a depor as armas ou deixar o país.
¿ Mas a desproporção da reação de Israel uniu o povo libanês ¿ afirmou.