Título: MATANÇA DE REFUGIADOS
Autor:
Fonte: O Globo, 31/07/2006, O Mundo, p. 16
Israel suspende ataques ao Líbano por 48 horas após bombardeio que matou 37 crianças
QANA, Beirute
No mais letal ataque desde o início do conflito, um bombardeio israelense atingiu um prédio residencial em Qana, sul do Líbano, matando cerca de 60 civis, mais da metade crianças. As vítimas eram famílias refugiadas que buscavam abrigo no porão do edifício, atingido em cheio. Num apelo emocionado, o primeiro-ministro do Líbano, Fouad Siniora, chamou o ataque de ¿crime de guerra¿. Diante das fortes críticas internacionais, Israel classificou o incidente como ¿um trágico erro¿ e suspendeu a ofensiva contra a milícia xiita do Hezbollah por 48 horas para investigar o ataque.
O ataque levou a ONU a convocar uma reunião de emergência de seu Conselho de Segurança e gerou ainda o cancelamento do encontro que a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, teria hoje com Siniora. Segundo este, nessa ¿manhã triste não há espaço¿ para negociações até que Israel suspenda os ataques. O Líbano decretou luto nacional.
Foi a segunda vez em dez anos que refugiados são atingidos por bombardeios israelenses nessa cidade, a 16 quilômetros de Tiro. Era 1h (hora local) e muitos estavam com roupas de dormir. Mas ninguém em Qana dormia, enquanto a cidade sofria um pesado bombardeio, com mais de 50 ataques a suas áreas sul, leste e central. Do prédio de três andares sobrou apenas um. O dono havia adaptado o porão para receber refugiados. Segundo a Cruz Vermelha, 56 pessoas morreram, das quais 37 eram crianças. Socorristas encontraram muitos corpos de mulheres ainda abraçadas aos filhos, numa última tentativa de protegê-los. As imagens de TV mostravam corpos ensangüentados envolvidos em lençóis.
¿ Tirei meu filho e deixei meu marido, que é paraplégico. Quando fui tirar minha filha, já era tarde ¿ contou Rabab Chalhub.
O número de mortos pode aumentar porque se acredita que muitas pessoas estejam presas sob os escombros. Sem material para a remoção, moradores cavavam com pás e as próprias mãos.
¿ O bombardeio era tão intenso que ninguém podia se mexer. O resgate só começou a manhã adiantada ¿ contou um homem.
Hezbollah responde com 140 foguetes
Siniora denunciou ¿os crimes israelenses contra civis¿ e pediu pressão por um cessar-fogo imediato e incondicional.
¿ Em respeito às almas de nossos mártires inocentes e aos corpos de nossas crianças queimados sob os escombros de Qana, eu apelo a nossos companheiros libaneses e outros irmãos árabes e a todo o mundo que se una diante dos crimes de guerra israelenses ¿ disse o premier, que pediu uma investigação internacional.
O ataque levou ainda à alteração do programa diplomático de Condoleezza, que voltara ao Oriente Médio no fim de semana. Ela se reuniu no sábado com o premier israelense, Ehud Olmert, em Israel, e voltou a se encontrar com ele ontem, após o ataque a Qana. Hoje, deveria se reunir com Siniora e embora ela tenha negado que partiu deste o cancelamento da reunião, o premier libanês admitiu o fato implicitamente.
¿ Eu lhe disse que a situação era insustentável e que não é o momento de nada mais além da aplicação de um cessar-fogo ¿ disse ele, acrescentando que mais de 700 pessoas já morreram no Líbano.
Israel, por sua vez, disse que o edifício não era o alvo do ataque, mas uma base de lançamentos de foguete do Hezbollah próxima dali. Após uma nova reunião com Condoleezza ontem, o governo israelense concordou em suspender os ataques aéreos por 48 horas para que o caso seja investigado, informou o Departamento de Estado americano, e também que poderá coordenar com a ONU uma passagem segura, por 24 horas, para civis abandonarem a zona de conflito. Mais cedo, Olmert dissera a Rice que necessitava de 10 a 14 dias para a ofensiva contra Hezbollah.
O governo israelense informou ainda que havia alertado os civis sobre o ataque e lamentou o ocorrido. O chefe de operações da Força Aérea israelense, general Amir Eshel, disse que as primeiras investigações revelavam que o edifício foi bombardeado horas antes de desabar. Mas alguns funcionários da Defesa Civil libanesa falaram que duas bombas atingiram o prédio, com a segunda causando o desabamento. Em resposta, o Hezbollah lançou ontem seu maior ataque desde o dia 12, disparando cerca de 140 foguetes contra Israel e deixando 48 pessoas feridas.