Título: Outros perigos
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 02/08/2006, O GLOBO, p. 2

Até bem pouco tempo atrás, soavam como hipérbole, conversa de bicho-papão, os avisos de que neste ritmo o crime organizado e o narcotráfico ainda teriam bancadas na Câmara e nas assembléias legislativas de alguns estados. Depois do mensalão, com os sanguessugas de agora e diante da sofisticação das organizações criminosas, deixou de soar e de ser um exagero.

E, se isso acontecer, terá sido por leniência mas não por cegueira ou falta de aviso, pois as condições para o colapso da representação democrática estão aí, à vista de todos. Nisso reside a importância maior da consulta do deputado Miro Teixeira ao TSE sobre a possibilidade de impugnação dos mandatos conquistados por pessoas sobre as quais existam investigações, suspeitas graves e indícios de envolvimento em atos criminosos. Sob o impacto da conjuntura, todos pensamos imediatamente em deputados que aparecem nas listas de mensaleiros e sanguessugas e nos esquecemos de que o pior pode ainda estar a caminho nesta eleição. A vedação da posse poderá ser um grande instrumento de defesa da democracia. Poderá impedir que tomem assento no Congresso outros tantos candidatos que tentarão se aproveitar da desmoralização da política e das carências dos eleitores para conquistar a impunidade e as vantagens propiciadas pelo mandato popular.

O deputado Luiz Antonio Fleury, ex-promotor, voltou muito impressionado de Presidente Prudente, onde se reuniu com promotores, delegados e procuradores que atuam no combate àquela organização criminosa que domina os presídios paulistas. Para começar, a organização é chamada de ¿partido¿ pelos criminosos, nas fitas que Fleury ouviu. De dentro dos presídios eles ¿soltam um salve¿, comunicado que em minutos atinge toda a cadeia da organização. E o ¿salve¿, expressão que lembra antigos comunicados de partidos clandestinos, vai por celular. Num recente, avisaram que a paz acabou e o ¿braço armado¿ atuará sempre que for preciso.

¿ Não tenho dúvida de que eles estão chegando aonde nunca chegaram, e que pensam em ir muito mais longe, infiltrando-se no poder político ¿ diz o deputado Fleury.

Em outras metrópoles é conhecida a conexão entre líderes comunitários de favelas (que têm influência eleitoral), os traficantes e políticos que exploram o voto das comunidades. No Rio há uma verdadeira indústria de centros sociais nos morros e favelas, aparentemente mantidos por políticos mas dominados por chefes do crime.

Para o presidente da CPI dos Sanguessugas, Antonio Carlos Biscaia, pesam indícios sólidos contra pelo menos 75 deputados. Mas, mesmo diante da amplitude do esquema e da desfaçatez dos que venderam o mandato a uma máfia, os partidos não se dispuseram ainda a impedir a recandidatura de deputados envolvidos. E há os outros, os que poderão querer entrar agora, na eleição, o que torna ainda mais importante e necessária a atuação da própria Justiça Eleitoral.

A consulta que a assessoria técnica do TSE apresentou ontem ao ministro-relator José Gerardo Grossi não deixou Miro desanimado. Os técnicos rejeitaram a consulta na sua totalidade, acrescentando: ¿ao tempo que faz vislumbrar questões que no momento oportuno serão objeto de jurisdição da Justiça Eleitoral¿. Para Miro, nesta ressalva está admitida a possibilidade que o TSE venha a se manifestar, sempre que provocado, sobre a posse de eleitos sobre os quais pesem processos e provas, e não só de corrupção, ainda que sentença não tenha transitado em julgado.

¿ Se está ¿vislumbrada¿ a possibilidade de manifestação do TSE, estou satisfeito. A luta apenas começou. Tenho convicção de que milhares de pedidos de impugnação serão apresentados aos TREs, de preferência pelo Ministério Público Federal, que tem a confiança da nação.

É bom que venham e que a Justiça Eleitoral aceite a tarefa, porque o perigo vai além dos sanguessugas.