Título: O primeiro dia sem Fidel à frente
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Fonte: O Globo, 02/08/2006, O Mundo, p. 28
Mistério em torno da saúde preocupa país. Presidente diz em nova nota que sua situação é estável
HAVANA
Apreensivos, chocados e curiosos, os cubanos amanheceram ontem, pela primeira vez em quase 50 anos, sem Fidel Castro à frente do governo. A cirurgia do presidente para conter um sangramento intestinal era o principal assunto nas ruas. Sem notícias sobre o estado de saúde de Fidel durante boa parte do dia, os cubanos só tiveram a primeira informação à tarde, vinda, segundo a TV estatal, de um comunicado por escrito do próprio paciente.
¿Posso dizer que é uma situação estável, mas uma evolução real necessita de tempo. O que mais poderia dizer é que a situação se manterá estável antes de dar um veredicto¿, dizia o comunicado do presidente, que parece preparar os cubanos para uma ausência prolongada, lido por um jornalista no programa de TV ¿Mesa redonda¿. Fidel pediu ainda desculpas por não dar detalhes porque sua saúde era ¿segredo de Estado¿.
Mais cedo, a única notícia vinha da Venezuela, país aliado de Cuba. Segundo Caracas, autoridades cubanas haviam informado que ¿a recuperação do presidente Fidel Castro é boa¿ ¿ embora médicos digam que qualquer operação intestinal para um homem de quase 80 anos é delicada.
Na noite anterior, a TV estatal cubana anunciara que Fidel, pela primeira vez em seu governo, transferia provisoriamente os principais cargos ao irmão, Raúl, ministro da Defesa e seu primeiro vice-presidente. Ontem, tanto o jornal oficial, ¿Granma¿, quanto a TV estatal se limitaram a reler a carta apresentada em nome de Fidel, com o presidente do Parlamento cubano, Ricardo Alarcón, sendo o único a romper o silêncio:
¿ O líder cubano luta sempre até o último instante. Mas esse último instante está bem longe ¿ afirmou.
Apesar da incerteza, Havana amanheceu calma, com os ônibus lotados de pessoas indo para o trabalho. Muitos se perguntavam sobre a saúde do presidente ¿ o único que as gerações nascidas após a Revolução Cubana, em 1959, conheceram. Em Habana Vieja, centenas de pessoas agitavam bandeiras, desejando longa vida a Fidel.
¿ Precisamos saber qual exatamente é o estado de saúde de nosso comandante ¿ disse uma idosa.
Nas ruas da capital não havia aumento no número de policiais, mas o governo anunciou que ativaria as Brigadas de Respostas Rápidas, grupos usados para dissuadir opositores.
¿ Deve estar mal para ter transferido o poder. Rezo para que Deus o ajude a se recuperar ¿ disse a dissidente Carmen Vallejo, cujo pai foi amigo de Fidel no início da revolução.
Fidel foi visto pela última vez em público no dia 26 de julho, durante as celebrações do 53º aniversário do ataque ao Quartel de Mocada, quando fez dois discursos num total de cinco horas. Segundo a carta que teria sido escrita por ele, os festejos e a viagem à Argentina para a reunião do Mercosul acabaram por debilitar sua saúde, levando a uma ¿complicada operação¿.
Os primeiros votos de recuperação partiram de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que, em visita ao Vietnã, gritou:
¿ Longa vida a Fidel!
Em La Paz, o presidente Evo Morales também enviou votos de recuperação ao ¿companheiro e irmão¿, assim como Espanha, Costa Rica e Chile.
Em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse esperar a pronta recuperação de Fidel e que ficou surpreso com sua doença, lembrando que o encontrou bem disposto durante encontro do Mercosul. Ao ser perguntado sobre o processo político em Cuba, Lula defendeu a independência do povo cubano:
¿ O processo sucessório de Cuba é uma decisão que vai caber ao povo cubano. Da mesma forma que não quero que os cubanos digam como é o processo sucessório no Brasil, não posso dizer como vai ser lá. Se tiver que acontecer, que aconteça da melhor forma possível.
Todos os olhos se voltam agora para a questão sucessória e para Raúl, de 75 anos, que assume os cargos de presidente do Partido Comunista, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas e de presidente do Conselho de Estado, enquanto as festividades pelos 80 anos de Fidel, que deveriam ocorrer no dia 13, foram adiadas para 2 de dezembro.