Título: É o momento de serenidade, inteligência e audácia¿
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 02/08/2006, O Mundo, p. 29

A ascensão de Raúl Castro ao poder, mesmo que provisoriamente, dá ao irmão de Fidel a oportunidade de treinar sua liderança e pode abrir caminho para mudanças econômicas e políticas num momento muito delicado para o país, acredita Manuel Cuesta, porta-voz do Arco Progressista, um movimento de oposição em Cuba.

O que representa a doença de Fidel e a transferência de poder?

MANUEL CUESTA: Creio que com esse anúncio começa o processo de sucessão em Cuba. Pela primeira vez em 48 anos, o presidente, em situação limite, cede o poder. É uma mudança fundamental. Creio que o presidente provisório tem a oportunidade agora de treinar sua liderança e começar um processo de mudanças profundas tanto de ordem econômica quanto política.

Mas Raúl poderia fazer essas mudanças? Não seguiria a linha do irmão?

CUESTA: Ele é mais pragmático. Raúl Castro se afina com o modelo chinês, enquanto Fidel é mais afinado com o modelo albanês. Isso significa que Raúl estaria disposto a fazer mudanças econômicas. Mas é preciso levar em conta que não tem a mesma capacidade de liderança do irmão, e que é um homem mais institucional que carismático.

Quando o comunismo caiu, a Rússia viveu problemas como corrupção, instabilidade. Cuba pode enfrentar momentos difíceis?

CUESTA: Sim, vai passar por momentos difíceis, não só de instabilidade como de corrupção, e essa é uma das grandes ameaças que o país enfrenta. Vai ser bastante difícil para o governo que assumir e também para a sociedade. Mas também será o momento para buscar mudanças profundas.

O senhor crê que o estado de Fidel seja muito grave?

CUESTA: Creio que é suficientemente grave. Ninguém pensou jamais que transferisse o poder. É claro que isso não indica que não possa se recuperar, mas dá o sinal claro de que precisa começar uma outra fase. Seria uma maneira de preparar Cuba para uma transição que é inevitável.

E como fica a oposição?

CUESTA: Creio que a oposição tem o desafio de responsavelmente buscar mais apoio à sua alternativa.

Os EUA têm um plano para Cuba. Como isso pode afetar o país?

CUESTA: Creio que isso fortalece a mentalidade de praça sitiada nos que agora assumem o poder. Está claro que os EUA vão acelerar esse plano. Nós no movimento social democrata nos opomos com muita força ao plano de Bush. Essa é outra razão para que o governo que assume inicie as mudanças. É um momento delicado, que exige muita serenidade, muita inteligência e, ao mesmo tempo, muita audácia para responder aos desafios internos evitando a demasiada influência e pressão dos EUA.