Título: Lula discute com juristas formas de disciplinar o trabalho das CPIs
Autor: Luiza Damé e Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 03/08/2006, O País, p. 4

Presidente encomendou a grupo da OAB parecer sobre limites da investigação

BRASÍLIA. Em pleno funcionamento da CPI dos Sanguessugas, com envolvimento de parlamentares e integrantes do Executivo em denúncias de desvio de recursos orçamentários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutiu ontem pela manhã com juristas ligados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) formas de ¿disciplinar¿ o funcionamento das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). À noite, em entrevista ao telejornal do SBT, na qual houve apenas uma pergunta sobre corrupção, o presidente Lula disse que não pretende limitar o poder das CPIs, mas afirmou que o mecanismo de investigação do Congresso precisa ser aperfeiçoado, porque ¿elas não podem se transformar em uma salada de frutas¿.

Lula criticou os parlamentares que querem aparecer em frente às câmeras e, na sua opinião, acabam complicando a investigação.

¿ Sou a favor do aperfeiçoamento da CPI. Eu acho que a CPI é uma coisa importante. Tem que funcionar, tem que ter liberdade de funcionar, tem que ser livre, mas não pode ser uma salada de frutas ¿- disse Lula na entrevista, na qual falou sobre o documento apresentado pelos juristas.

Segundo Lula, o documento propõe que as CPIs se atenham a um fato determinado. No documento, também é sugerida a proibição de que as CPIs quebrem sigilos dos investigados. O presidente disse que acontecem exageros:

¿ Acho que às vezes exageram muito mais na tentativa da fotografia, porque isso é um dilema: em vez de investigar, você quer aparecer e aí cria confusão. A investigação precisa ser feita com objetivo de obter um resultado e punir quem seja culpado. Se você utiliza um processo de investigação para fazer merchandising pessoal, aí você complica a seriedade da apuração ¿ afirmou Lula, acrescentando que vai encaminhar a sugestão dos juristas ¿ encomendada por ele próprio ¿ aos presidentes da Câmara, do Senado e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Alvo era a `CPI do Fim do Mundo¿

O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, admitiu que o governo pediu o estudo há quatro meses, no auge da CPI dos Bingos, que acabou envolvendo vários ex-integrantes do governo, como o ex-ministro Antonio Palocci. O próprio Lula fez várias críticas ao funcionamento da CPI dos Bingos, apelidada de ¿CPI do Fim do Mundo¿.

¿ Faz aproximadamente quatro meses que essa comissão tem avaliado e hoje (ontem) apresentou a conclusão do seu trabalho. O que levou o governo a pedir? Foi uma visão de que o foco do trabalho feito por alguns movimentos da última CPI (a CPI dos Bingos) se dispersou completamente e a investigação não era mais sobre os bingos. Então, quisemos saber a opinião dos juristas, se isso era correto, adequado e constitucional ¿ disse Tarso, para quem ¿algo tem que ser modificado para que as CPIs dêem respostas¿.

Ainda na entrevista ao SBT, o presidente não descartou participar de debates durante a campanha eleitoral, mas disse que a sua decisão vai depender das regras que forem estabelecidas.

¿ Vai depender de como vai ser o debate. O presidente da República é uma instituição e, quando ele for a um debate, é preciso saber quais as regras que serão estabelecidas, porque, muitas vezes, eu vejo num debate que as pessoas agem com uma certa insanidade. As perguntas nem sempre são pertinentes a uma campanha eleitoral ¿ disse Lula.

O presidente afirmou que só vai discutir os acordos para um eventual segundo turno nas eleições de outubro depois de encerrado o primeiro turno. Mas não descartou a possibilidade de o PT procurar a candidata do PSOL, Heloísa Helena, expulsa do partido, para um eventual acordo no segundo turno. O presidente afirmou que, com o processo eleitoral, alguns candidatos estão ¿mais nervosos, outros mais raivosos e outros falando coisas insensatas¿, mas não citou nomes.

¿ Eu trato todos os candidatos com o mais profundo respeito ¿ disse Lula.

Ao responder a pergunta sobre a expulsão de parlamentares petistas envolvidos nos escândalos de corrupção, Lula repetiu o discurso que vem fazendo desde o início da crise política, em maio do ano passado. O presidente afirmou que ninguém pode ser punido antes do julgamento, apenas com base em denúncias.

`O povo está comendo melhor¿

Na entrevista, o presidente evitou falar do que não conseguiu fazer nestes quase quatro anos de mandato e acabou enumerando resultados dos programas do governo e dados da economia. Lula falou, ainda, do que fez no governo e de suas frustrações.

¿ Eu tenho que mostrar o que eu fiz, e foi muita coisa. O povo está comendo melhor. O povo está trabalhando mais. A economia está crescendo. Eu tenho que mostrar o que eu quero fazer, porque os grandes projetos que temos para o Brasil são alinhavados, são delineados. Ou seja, já temos decisão política de fazer e já temos alguns em andamento, como a Transnordestina, a refinaria de Pernambuco, o Pólo Petroquímico do Rio.

Ao ser perguntado sobre o que não fez, Lula voltou a falar no que fez, antes de admitir frustrações:

¿ Primeiro quero dizer o que eu fiz. O povo está comendo mais, o povo está comprando mais. Uma lata de óleo que custava R$2,80 hoje custa R$1,30; o saco de cimento, que estava em R$23, hoje está R$10, R$10,50, R$11. As pessoas estão comendo, construindo a sua casa. O salário-mínimo aumentou. Estão comprando o dobro da cesta básica que compravam. Isso é coisa que me dá alegria. O que estou frustrado é não ter ainda concluído o processo de votação do Fundeb, porque teria gastado desde o início do ano R$1,5 bilhão (a mais) na educação. E não gastamos porque não foi aprovado.

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