Título: MENOS ALIMENTO PARA INFLAÇÃO
Autor: Cássia Almeida e Fabiana Ribeiro
Fonte: O Globo, 03/08/2006, Economia, p. 27

Reajustes para repor alta de preços passada começam a sumir da economia do país

Em 1994, os brasileiros conviviam com uma inflação de quase 5.000% ao ano. O salários eram reajustados por gatilho inflacionário, tentando acompanhar os preços que subiam quase que diariamente, enquanto o dinheiro nas contas bancárias era corrigido toda noite. Com esse passado de preços, 12 anos após a estabilização da moeda, o país ainda convive com reajustes anuais baseados na inflação passada. Mas esse fenômeno, conhecido como indexação, começa a sumir da economia brasileira. Hoje, boa parte dos preços não segue mais o que o IBGE ditava antigamente, ao divulgar mensalmente os índices de preços. A inflação cada vez mais baixa ¿ no acumulado em 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) caiu para 4,03% em junho último ¿ desmonta a indexação e, assim, os índices ficam cada vez menores.

Os preços administrados (que incluem gasolina, energia, telefonia, plano de saúde e remédios), sempre citados como culpados do avanço da inflação, recuaram de 20,9% em 1999 para 4,4% este ano, pela projeção do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC).

Índice de serviços cai de 7% para 4,4%

Esse movimento de preços começa a aparecer nos índices de inflação. Os serviços não comercializáveis, como cabeleireiro, escola, aluguéis e outros, que resistiam num patamar entre 6% e 7% de 2001 a 2005, baixaram para 4,4% nos últimos 12 meses terminados em junho.

¿ A inflação em queda mostra claramente esse movimento de desindexação. Os aluguéis, por exemplo, respondem mais à oferta hoje do que aos índices embutidos nos contratos ¿ disse Eulina Nunes, coordenadora do Sistema de Índice de Preços do IBGE.

Os economistas esclarecem: não há como chegar ao mundo ideal da completa desindexação, mas os grandes vilões de trazer para o presente a inflação do passado começam a ser vencidos. A telefonia é um exemplo. Desde a implantação do Plano Real, em julho de 1994, já subiu 662,21%, contra o IPCA de 200,29%. As tarifas eram corrigidas pelos IGPs (índices gerais de preços, da FGV), taxas fortemente influenciadas pelo dólar. Assim, quando aconteceram as crises cambiais, em 1999 e em 2002, a telefonia aumentou bem mais que a inflação. Atualmente, as contas telefônicas têm reajustes baseados num índice que mistura IPCA e um dos componentes do IGP, diluindo o impacto de crises cambiais que possam acontecer.

¿ Dois baluartes da indexação foram vencidos este ano. Com os IGPs fechando 2005 com índices próximos de 1%, as tarifas perderam força na inflação. O segundo foram os serviços. O IPCA será menor que 4%. Fica difícil reajustar preços de serviços em 10%, como já se viu. Com esse cenário, a inflação vai caindo ¿ explica o economista Marco Antônio Franklin, sócio da Plenus Gestora de Recursos.

Comportamento que pode ser visto nos cinco salões, no Rio, do Instituto di Bellezza Prima Qualitá. Na rede, os preços de todos os serviços ¿- de escova a depilação ¿ não são reajustados há dois anos. Com sua tabela congelada, os salões aumentaram em 200% o número de clientes no período. Uma estratégia que só é possível graças à forte negociação com fornecedores. É o que diz o empresário Domenico Giordanno, um dos sócios da rede de cabeleireiros:

¿ Antes, reajustava os preços de acordo com a inflação e o aumento dos importados. Agora, negocio descontos com fornecedores de produtos e não preciso repassar para a clientela nem a inflação. O resultado: cresceu a quantidade de clientes nas casas.

Com desindexação, juro pode cair mais

Eduardo Velho, sócio da Mandarim Gestão de Ativos, lembra dos salários. O gatilho que chegou a vigorar nos anos anteriores ao real, determinando que, quando a inflação chegasse a um nível, a correção fosse automática, faz parte da história econômica brasileira. Hoje vale a livre negociação.

O economista Luiz Roberto Cunha diz que, mesmo fugindo do IGP, as tarifas de energia, que chegaram a baixar este ano, e telefonia permanecem reajustadas todo o ano:

¿ Este ano foi benigno para os preços. Dólar em baixa, safras agrícolas sem problemas, o que faz a indexação ter papel positivo nos preços. Mas as escolas, por exemplo, ainda reajustam acima da inflação.

E os juros fixados pelo BC podem cair com mais força se a tendência prosseguir. Velho diz que a indexação deixa os índices resistentes à política monetária. Com os preços obedecendo a movimentos de oferta e procura, a ação do BC fica mais eficiente.