Título: MORADORES DE BEIRUTE APROVEITAM DIA SEM ATAQUES PARA JUNTAR OS CACOS
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 03/08/2006, O Mundo, p. 34

Brasileiro visita sua loja que foi destruída depois de bombardeios

BEIRUTE. A população dos bairros xiitas de Beirute ¿ os mais atingidos pelos bombardeios ¿ aproveitou os dois dias em que os ataques foram suspensos por Israel para juntar os cacos, literalmente. Na segunda e terça-feira, milhares de refugiados que tiveram as casas destruídas ou precisaram abandonar seus lares com medo das bombas voltaram a bairros como Haret Hreik para tentar resgatar pertences em meio à destruição. Ontem, voltaram a escolas, hotéis e praças onde estão abrigados pois havia rumores de que Beirute seria novamente bombardeada.

Documentos soterrados pelos escombros

Um deles era o brasileiro Ali Hijazi, dono de uma loja de cosméticos em Haret Hreik destruída em um bombardeio. Tentando segurar a emoção, Ali apontava os locais onde ficavam seu escritório, o estoque, o balcão. Ele ainda tem esperança de encontrar um cofre. Sem o conteúdo do cofre, ele não tem como voltar ao Brasil.

¿ Está tudo ali. Documentos, títulos de propriedade etc. O prédio tinha dois subsolos e acho que o cofre está lá embaixo ¿ disse Hijazi.

Com pesar, ele revirava os montes de concreto e mostrava catálogos dos produtos brasileiros e argentinos que vendia, uma cadeira, livros-caixa, até que, com uma expressão de felicidade, enfiou a mão em buraco e abriu um sorriso. Não era o cofre, mas a agenda.

-¿ Pelo menos encontrei a agenda. Na verdade, essas coisas a gente constrói outra vez. Ainda tenho muita energia para trabalhar. Ruim teria sido de tivesse perdido alguém da família. Quando a guerra acabar volto aqui com uma escavadeira e procuro o cofre ¿ disse Hijazi.

Esperança de voltar à normalidade

Outro que aproveitou o dia de trégua para juntar os cacos foi Youssef Alawar. Apressado, ele colocava tudo o que sobrou de sua lanchonete na capital libanesa na caçamba de uma picape que pegou emprestada de um amigo. Cadeiras, forno, fogão, geladeira, tudo coberto pela poeira cinza de concreto. Alawar teve mais sorte do que Hijazi. Sua lanchonete teve apenas a vitrine danificada. Na frente do imóvel, só havia escombros espalhados.

¿ Vou guardar tudo porque assim que a guerra acabar reabro minha lanchonete aqui mesmo. Se os israelenses pensam que vão nos afugentar, estão muito enganados. Conheço pessoas que morreriam com prazer para não deixar este lugar ¿ disse ele. (Ricardo Galhardo)